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“Guerra”

Totonho Laprovítera, escritor, arquiteto e artista plástico. Foto: JN

Com o título “Guerra”, eis mais um conto de Totonho Laprovitera, arquiteto, escritor e artista plástico.

Confira:

Só em filmes de cinema uma guerra acaba de uma vez, com a bandeira do vitorioso sendo hasteada, o povo se abraçando, comemorando e a paz reinando plenamente. O fim de uma guerra pode até ser marcado por uma data decisiva, mas, acreditem, ainda leva muito tempo para ela realmente terminar. Se é que termina.

Lembro-me de ouvir meu primo Pietro Guerrera, combatente na Segunda Guerra Mundial pela Itália, contar sobre a agonia do pós-guerra. Na Calábria, no sul da Itália, os alemães, furiosos pela derrota, debandaram em retirada, tocando o terror por onde passavam. Quebravam tudo e sacrificavam cruelmente os animais, sustento de inocentes famílias. Camponeses eram humilhados, maltratados e
tinham seus lares invadidos pelos chucrutes, que abusavam de seus tesouros mais preciosos: a família. Cristaleiras de lares, por exemplo, eram quebradas por puro capricho da malvadeza deles.

Uma guerra é muito mais cruel do que podemos imaginar. Meu avô Miguel Laprovitera, que serviu na Guarda Real Italiana, lutou na brutal e sanguinária Primeira Guerra Mundial. Nela, ele perdeu um irmão e foi ferido em combate, sendo socorrido no hospital de campo de batalha e, posteriormente, transferido
para o hospital de Pavia, na Itália. Em 1973, recebeu do embaixador da República da Itália no Brasil, assinados pelo presidente italiano, os título e medalhas de “Cavaliere dell´Ordine di Vittorio Veneto” e de “Eroe della Prima Guerra Mondiale”.

Simples e humilde, conhecedor dos verdadeiros valores da vida, apesar da comenda, nunca se permitiu ser chamado de “comendador”. Já há cerca de duas décadas da sua chegada ao Brasil, quando da Segunda Guerra, no quebra-quebra em Fortaleza, Vovô teve o seu comércio (Café Íris) saqueado e destruído por manifestantes e oportunistas. Do estabelecimento, o caro equipamento importado da Itália desapareceu rapidamente.

Por ser italiano e ter participado da Primeira Guerra, Vovô Miguel teve sua casa invadida por militares brasileiros em busca de um suposto “rádio” e foi detido por cerca de um mês, sob a alegação de “garantir a integridade física e a vida dos italianos”, no Corpo de Bombeiros do Ceará, então subordinado à Chefatura de Polícia e Segurança Pública.

Em 1970, quando da final entre as seleções brasileira e italiana, Vovô colocou sobre seu aparelho de televisão as bandeiras do Brasil e da Itália. Quando lhe perguntavam por quem iria torcer, ele respondia “pelos netos”. Muito querido pelos fortalezenses, Vovô Miguel faleceu em 1975, mas nunca se livrou dos
traumas das guerras: um, de combater; outro, de se defender.

Enfim, no mínimo, uma guerra dura muito mais do que o seu tempo de existência; ela perdura por sucessivas vidas inteiras.

*Totonho Laprovítera

Arquiteto, escritor e artista plástico.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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