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“Há uma bolha na inteligência artificial?” – Por Alex Araújo

Alex Araújo é economista, ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado do Ceará e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços. Foto: Arquivo pessoal

Com o titulo “Há uma bolha na inteligência artificial?”, eis artigo de Alex Araújo, economista e ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado. “Esse fenômeno reforça a percepção de que o setor está se encaminhando para uma estrutura oligopolista, com poucas empresas exercendo enorme poder de mercado e controle sobre a infraestrutura tecnológica crítica”, expõe o articulista.

Confira:

Poucas tecnologias despertaram tanto entusiasmo e investimento em tão pouco tempo quanto a Inteligência Artificial (IA). Desde o lançamento do ChatGPT, em novembro de 2022, a percepção de que modelos generativos e sistemas autônomos transformariam profundamente a economia global mobilizou volumes inéditos de capital.

Em pouco mais de dois anos, empresas como Nvidia, Microsoft, Alphabet e Meta atingiram valorizações recordes, impulsionando índices da bolsa como o americano S&P 500 a máximas históricas.

No entanto, essa ascensão meteórica tem sido acompanhada por sinais crescentes de sobrevalorização, baixa correspondência entre investimentos e retorno econômico real, concentração extrema do mercado em poucas empresas e alavancagem financeira crescente — elementos que alimentam discussões sobre a possível existência de uma bolha de IA.

Embora seja inegável que a IA já esteja produzindo ganhos reais em produtividade, automação e novas aplicações empresariais, torna-se cada vez mais necessário avaliar se o mercado financeiro está precificando adequadamente essas expectativas ou se está projetando sobre a tecnologia um futuro ainda incerto, como ocorreu na virada do século com a bolha das empresas ponto.com

A exuberância atual em torno da IA é alimentada por uma narrativa segundo a qual a tecnologia transformará a economia mundial, reconfigurando mercados inteiros, substituindo funções intelectuais humanas e gerando oportunidades ilimitadas de inovação. Essa crença, amplamente difundida, impulsionou ainda mais a análise de valor das companhias de tecnologia historicamente elevados.

O “SAP 500”, por exemplo, atingiu níveis de concentração sem precedentes. Apenas oito grandes empresas de tecnologia — Apple, Microsoft, Alphabet,Meta, Amazon, Nvidia, Broadcom e Tesla — respondem por cerca de 36% dovalor total do mercado americano e por mais de 60% dos ganhos do índicedesde abril de 2024.

Ainda mais surpreendente: em um dos dias de maiores altas do “SAP 500 no ano, 397 das 500 empresas do índice caíram, e apenas um punhado de ações ligadas à IA foram responsáveis por empurrar o índice para cima. Isso revela que o mercado de capitais está se movendo essencialmente na direção de apenas 10 nomes, tornando-o extremamente vulnerável a qualquer correção
nessas companhias. Esse movimento é respaldado por indicadores de avaliação historicamente altos. O índice CAPE — que compara o preço de uma ação a uma média de lucros ajustada pela inflação ao longo de dez anos — está próximo de 40, seu segundo maior patamar em 150 anos. Já o índice preço/vendas do mercado americano supera níveis registrados no auge da bolha da internet em 1999.

Esses indicadores sugerem que os preços das ações estão sendo guiados muito mais por expectativas futuras do que por lucros efetivamente gerados pela tecnologia no presente.

Apesar da euforia, a correspondência entre o capital investido em iniciativas de IA e o retorno econômico concreto ainda é frágil. Um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT), publicado em 2024, analisou 300 projetos corporativos de IA e concluiu que 95% não geraram nenhum retorno financeiro relevante. Entre 150 executivos entrevistados, prevalece a percepção de que a maior parte dos investimentos permanece em fase exploratória, sem clareza sobre modelos de monetização.

Essa dissociação entre investimento e produtividade econômica sugere que grande parte dos capitais está sendo direcionada ao setor mais por pressão competitiva e receio de “ficar para trás” do que por avaliações fundamentadas. O fenômeno é clássico em períodos pré-bolha: o capital é alocado não porque se compreende a natureza do retorno, mas porque se teme não participar dele.

Esse cenário levanta dúvidas fundamentais sobre a curva de adoção da IA e se o retorno projetado poderá de fato compensar os custos crescentes. A tecnologia é promissora, mas seu potencial econômico ainda não está consolidado — sobretudo quando comparado com o entusiasmo que alimenta avaliações trilionárias.

Outro componente preocupante é a crescente interligação financeira entre os grandes players do setor, criando um ecossistema concentrado que retroalimenta expectativas de valorização.

A OpenAI, por exemplo, adquiriu participação acionária relevante na AMD; a Nvidia, por sua vez, está investindo fortemente na OpenAI; enquanto a Microsoft — maior investidora da OpenAI — é cliente da CoreWeave, cuja propriedade também está vinculada à Nvidia.

Esses movimentos de participação cruzada podem inflar artificialmente avaliações das companhias, uma vez que cada anúncio de parceria ou investimento tende a elevar o valor de todas as empresas envolvidas, independentemente de resultados operacionais.

Esse fenômeno reforça a percepção de que o setor está se encaminhando para uma estrutura oligopolista, com poucas empresas exercendo enorme poder de mercado e controle sobre a infraestrutura tecnológica crítica.

Embora isso não seja necessariamente negativo por si só, torna o ambiente ainda mais frágil: qualquer reversão de expectativas ou escândalo envolvendo um desses atores pode desencadear uma correção generalizada.

Um dos elementos mais destacados em bolhas financeiras é a escalada de gastos financiados por dívida. Em seus estágios iniciais, o boom de IA foi amplamente autofinanciado pelas big techs, que geram caixa suficiente para investir em pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura. Entretanto, esse ciclo começou a mudar — um sinal típico de maturação e fragilidade.

A Meta, por exemplo, planeja emitir US$ 25 bilhões em títulos para financiar expansão de data centers, enquanto a Oracle levantou US$ 18 bilhões pelo mesmo motivo. Esses projetos estão diretamente vinculados à expectativa de que a demanda por IA justificará esses dispêndios. Contudo, o risco é evidente: se a monetização da IA demorar ou decepcionar, as empresas ficarão com altos custos fixos e dívidas pesadas.

Esse risco é ampliado pelo fato de que a infraestrutura de IA — como data centers — é intensiva em energia e capital. Empresas planejam investir mais de US$ 400 bilhões em data centers em 2026. Uma eventual ociosidade dessas instalações pode resultar em “elefantes brancos” tecnológicos, assim como ocorreu com fibras ópticas e cabos subutilizados após o estouro da bolha
ponto.com.

Outro fator que contribui para a formação de bolhas é o poder das narrativas. Atualmente, há uma ideologia dominante que enxerga a IA como inevitavelmente transformadora, capaz de redefinir por completo a economia global. Essa visão estimula uma adoção quase acrítica e marginaliza vozes mais céticas, rotuladas como antitecnologia.

Se a atual dinâmica de supervalorização for de fato uma bolha, seu estouro poderia ter efeitos sistêmicos relevantes, afetando não apenas o mercado de tecnologia, mas toda a economia global — de forma semelhante ao que ocorreu com o estouro da bolha ponto.com em 2000–2001.

A correção de preços derrubaria imediatamente os principais índices globais, dado o peso das big techs em fundos indexados e passivos. Investidores institucionais e de varejo sofreriam perdas significativas; fundos de pensão, seguradoras e fundos soberanos poderiam ver suas carteiras severamente afetadas.

A queda no valor das empresas reduziria sua capacidade de investir, levando a revisão e cortes de planos, demissões e redução do investimento em infraestrutura — especialmente data centers.
O efeito riqueza negativo diminuiria o consumo e a confiança, desencadeando ondas de desaceleração econômica. Setores adjacentes — como semicondutores, energia, construção e imobiliário — também seriam atingidos, dada a correlação elevada com o boom da IA.

Uma pressão adicional sobre mercados de crédito poderia surgir caso empresas alavancadas começassem a enfrentar dificuldades financeiras, aumentando spreads e custo de capital em toda a economia.

Por fim, a reversão da narrativa sobre a IA poderia desencadear um período de desilusão tecnológica, no qual empresas e governos se tornariam mais cautelosos ao investir na tecnologia, retardando sua adoção.

A Inteligência Artificial representa uma transformação tecnológica real, já em curso, com potencial para alterar profundamente setores inteiros. No entanto, as evidências sugerem que o mercado financeiro pode estar superestimando sua capacidade de gerar valor econômico no curto prazo.

A combinação de concentrações extremas, avaliações historicamente elevadas, baixa taxa de retorno comprovada, alavancagem crescente e narrativas especulativas cria um ambiente favorável à formação de uma bolha.

Caso essa bolha estoure, os impactos poderão se espalhar por toda a economia global, como ocorreu com a bolha ponto.com — não apenas reduzindo o valor de mercado das empresas de tecnologia, mas também afetando consumo, crédito, investimento e confiança.

A história mostra que grandes rupturas tecnológicas muitas vezes vêm acompanhadas de ciclos de euforia e correção. A IA pode não ser diferente. O desafio, portanto, é separar o hype das realidades econômicas e garantir que o capital seja alocado de forma sustentável, evitando exageros que possam comprometer sua própria promessa transformadora.

*Alex Araújo

Economista.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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