“Preocupada que a novata se assuste, apresso-me em explicar que é mania desse pessoal”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório
Confira:
– Se eu tivesse tempo, eu voltava pro latim, surpreendeu-me Afonso, proferindo a frase como se de algo banal se tratasse. Teodora não deixou por menos e atirou: – Desde quando você estudou latim, criatura? Estávamos na comemoração aniversariantes de maio. Taurinos, quando se proporciona fazemos um pequeno convescote para celebrar a passagem do tempo e as recentes conquistas. Desta vez a amiga Vera também apareceu, carregando uma outra que estreou conosco nessas árias de fraternos desafios dialogais.
Preocupada que a novata se assuste, apresso-me em explicar que é mania desse pessoal. Falar com naturalidade os maiores absurdos. Afonso contesta que não vê nada demais em estudar latim e até concordo. Há anos tenho vontade de aprender, para além das expressões corriqueiras, incorporadas ao dia a dia. Habeas Corpus, Álibi, Sine Qua Non, Data Vênia, Modus Operandi… O Direito detém o domínio delas e confesso que acho bonito, o latim. Só não é comum, como a rebeldia de Afonso, por vezes infantil, quer fazer crer.
Esse apego veio da eleição do Papa. A frase que comunica ao mundo que chegaram a um nome consensual é dita em latim e é uma esplendorosa frase. Habemus Papam é o anúncio feito pelo Decano do Vaticano, da varanda central da Basílica de São Pedro, em Roma. O catolicismo não domina mais, enfrenta concorrentes que derrubam os seus percentuais majoritários do século passado. Contudo, a escolha do Papa segue sendo um evento importante para a humanidade. O líder máximo da Igreja Católica faz a diferença no xadrez da Terra.
O Decano, uma espécie de zelador intelectual e logístico da Sede, anunciou o escolhido após a fumaça clara que saiu da chaminé milenar, sinalizando a conclusão do Conclave, a reunião de cardeais, que chegou a um termo. Pouco depois o ungido apareceu na sacada para saudar os fiéis que lotaram a Praça da Basílica, televisionado em escala global, revelando o nome mensagem que escolheu para reinar. Desta vez temos um Leão XIV, nascido
nos Estados Unidos, com atuação importante no Peru. Sucede o argentino Francisco, optante pelos vulneráveis com a clareza levada por seu nome.
Leão XIII, certamente inspirador do XIV, foi o Papa da Classe Trabalhadora, o inventor da Doutrina Social da Igreja, questionando a injustiça das relações opressivas do sistema capitalista. Na mesa celebrante, amigos e amigas discordam se o Leão que chega é progressista ou conservador. A convidada de Vera arrisca a explicação de que é as duas coisas, sem contradição. Progressista na questão dos imigrantes, conservador em alguns pontos da pauta de costumes que ela não ousa nomear. Afonso escuta-a com cortesia e move afirmativamente a cabeleira que insiste em desafiar as modas masculinas atuais, dando-lhe um ar de hippie deslocado na cena.
A nova cirandeira de nossa roda de chistes e máximas chama-se Helena, conhece um pouco de grego. Retribui o esforço de harmonia com a ternura dos que não fazem questão de ter razão. – Que tal caipirinha, já que o chope está meio quente? Propõe risonha e bela. Acolhemos sem vacilar, até quem não toma cachaça quer o acordo camarada de uma noite feliz. Mais velhos, estamos ficando de fato mais sábios. O comum ganha corpo em sua essencialidade de coletivo, conjunto, dando meia volta a caminho da volta e meia.
Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais