“Diante deste quadro, considero um grande feito às notas alcançadas pelas escolas e redes de ensino no Ide”, aponta o sociólogo e professor Thiago Esteves.
Confira:
No dia 14 de agosto o governo federal, por meio do Ministério da Educação, divulgou os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) relativos ao ano de 2023. Imediatamente, uma série de matérias e postagens ocuparam os sites jornalísticos. Os telejornais dedicaram um significativo tempo para apresentar as notas obtidas e debater com “especialistas” – muitos dos quais com estreita ligação com as fundações empresariais – os resultados alcançados pelos estados e municípios. Políticos e secretários de educação utilizaram as redes sociais para celebrar os índices ou justificar as notas alcançadas.
Em meio aos debates sobre quais estados e municípios ocupavam as primeiras e últimas colocações ou quais haviam alcançado as metas do Ideb, percebi que, em sua maioria, os analistas pareciam ignorar os objetivos do Ideb, confundindo este indicador com a nota de uma avaliação em larga escala. Também omitiam de suas análises os fatores extraescolares e intraescolares, que são fundamentais para a compreensão da realidade educacional de qualquer país. As redes de ensino eram tratadas como se fossem um estudante que precisa alcançar uma nota para ser aprovado na recuperação final.
Ao invés de promover um amplo debate social sobre as políticas educacionais necessárias para garantir uma educação pública, inclusiva, equitativa e de qualidade com financiamento adequado para todas as pessoas, a divulgação do Ideb tem estimulado a competição entre escolas e redes. Muitas dessas competições são estimuladas pelo poder público, ao promover políticas de bonificação, baseadas na simples elevação das notas. Muitas vezes, por trás do estímulo para a melhoria dos índices educacionais, se esconde o assédio moral e as fraudes para garantir notas mais elevadas.
A falta de um debate ampliado para os diferentes setores da sociedade sobre os significados e objetivos da educação pública, está associada a importância desmedida que temos dado para as notas obtidas nos índices e avaliações educacionais em larga escala, que passam entendidas como a finalidade do processo educacional. Não são feitas análises dos contextos escolares ou debatidos os possíveis usos dos índices educacionais, ao invés disso, somente as notas são analisadas, como se estudantes, escolas e redes fossem iguais e partissem de um mesmo ponto.
Por esses motivos, considero imprescindível que um maior número de pessoas compreenda que o Ideb é um indicador criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com o objetivo de medir a qualidade do ensino ofertado nas escolas públicas brasileira. As escolas públicas recebem um conceito, entre 0 e 10, que é calculado a partir do rendimento escolar (taxas de aprovação, reprovação e abandono) e da média obtida pelos estudantes nas provas de Língua Portuguesa e Matemática do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). A média das notas das escolas constituem o índice alcançado pelas redes. Como podem perceber, o Ideb não é apenas o resultado de uma avaliação em larga escala, como uma análise descuidada pode levar a supor. Com relação as metas para cada escola ou rede de ensino, estas são calculadas bienalmente, com base na última nota disponível do Ideb.
Mas, porque devemos ter cuidado com a interpretação dos indicadores educacionais, como o Ideb?
Inicialmente, é preciso esclarecer que o Ideb avalia somente as escolas públicas, isto é, aquelas pertencentes as redes municipais, estaduais e federal. Portanto, não é calculado o Ideb para as escolas privadas, comunitárias ou pertencentes ao sistema S (Sesc, Sesi, Senac, Senai), por exemplo. Além disso, o Ideb avalia de maneira separada os anos iniciais (5º ano) do ensino fundamental, os anos finais (9º ano) do ensino fundamental e o ensino médio. Outro esclarecimento que se faz necessário é que somente a modalidade de ensino regular é avaliada. Logo, as modalidades de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Especial, por exemplo, não são avaliadas pelo Ideb. Por outro lado, as escolas indígenas e quilombolas tem seus índices medidos e divulgados em conjunto com as demais escolas das redes. Assim, quando lemos ou ouvimos que o estado X ficou em primeiro ou último lugar no Ideb é necessário saber se este dado se refere aos anos iniciais ou finais do ensino fundamental ou ao ensino médio.
Outra informação fundamental sobre este índice educacional diz respeito a sua composição. O Ideb é calculado com base nas taxas de reprovação, abandono escolar e no resultado obtido nas provas do Saeb. Sobre a composição deste índice educacional, os governos municipais e estaduais possuem autonomia para estabelecer os critérios que serão utilizados para considerar a reprovação ou o abandono escolar. Em relação aos resultados das provas do Saeb, são avaliados somente os conteúdos de língua portuguesa e matemática. Assim, os resultados alcançados pelos estudantes em artes, biologia, educação física, filosofia, física, geografia, história, língua inglesa, língua espanhola, química, sociologia, dentre outras disciplinas, são ignorados no cálculo da nota do Ideb.
A maioria das análises realizadas sobre o Ideb desconsidera os fatores extraescolares e intraescolares. Os fatores extraescolares são aqueles que impactam o desempenho dos estudantes, mas que não possuem relação direta com o ambiente escolar, como por exemplo, a exposição a violência, condições precárias de moradia e a fome. Os fatores intraescolares são aqueles vivenciados pelos estudantes dentro do ambiente escolar, como ausência de quadras poliesportivas, laboratórios, internet, água potável, janelas e portas nas salas de aula.
Outro fator com forte impacto sobre os índices educacionais, mas que é ignorado nas análises dos “especialistas”, é a precarização do trabalho docente. De responsabilidade direta das redes de ensino, são fatores de precarização do trabalho docente o não pagamento do piso nacional do magistério, que leva professoras e professores a terem uma carga horária excessiva de trabalho, não raro excedendo as 50 horas semanais. A contratação temporária – em substituição ao concurso público, a redução da carga horária das disciplinas – que leva docentes a assumir um número maior de turmas – e a autorização para que ministrem aulas de componentes curriculares para os quais não possuem formação adequada – situação agravada pela reforma do ensino médio – constituem outras formas de precarização do trabalho docente.
Diante deste quadro, considero um grande feito às notas alcançadas pelas escolas e redes de ensino no Ideb. Graças aos, muitas vezes, heroicos esforços empreendidos por estudantes, docentes e demais profissionais da educação para garantir um mínimo de qualidade para o ensino ofertado nas escolas públicas brasileiras. Muitas vezes, por trás de uma aparente nota baixa, se esconde um contexto escolar de superação de múltiplas e históricas carências. Por isso, recomendo cautela para o próximo ciclo de divulgação dos índices educacionais.
Thiago Esteves é Professor de Sociologia, Doutor em Educação e Vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais
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Na escola, professor, é uma fartura danada; farta tudo!