Com o título “Igualdade”,eis mais uma bela história da lavra de Totonho Laprovítera, arquiteto, escritor e artista plástico, que bem expõe a necessidade contemporânea e necessária de lutarmos contra as desigualdades. Em todos os sentidos.
Confira:
“Onde não há igualdade, a amizade não perdura.” (Platão)
Igualdade é tratar a todos com os mesmos direitos e deveres, sem distinção, apondo as mesmas regras para todos. É reconhecer no outro o mesmo valor em que nos vemos, compartilhando tempos, alegria e respeito de forma justa e equitativa.
Perdi meu pai aos tenros 13 anos, mas aprendi muito com ele, sobretudo sobre valores simples que dão sentido à vida. Sempre o acompanhava e, aos sábados, ı́amos ao animado armazém do Tio Raimundo, na Rua Governador Sampaio. Lá, a mesa de trabalho virava campo de futebol de botão para o campeonato do primo Raimundinho, entre sacas de arroz, feijão e farinha. Com Papai, sentava-me na coxia da calçada para chupar picolé, enquanto via passar as emperequetadas vendedoras de café, segurando um bule enrolado em pano de chita em uma mão e, na outra, copos americanos bem lavados, enfiados uns nos outros. Às vezes, ao passar pelo bar da rua, eu tomava refrigerante e beliscava tira-gostos salgados e oleosos. Observava os chapeados darem cachaça ao santo e cuspirem no chão, o rajado a revelar o hábito de mascar fumo de rolo.
Pois bem. Nas férias de meio de ano, ı́amos para o Sı́tio Guajiru, à beira da Estrada da Serrinha, na Parangaba. Em frente, havia um mangueiral sombreando um campinho de futebol usado pelos mais velhos. Inspirado, meu irmão Gera projetou um par de traves que Papai mandou fazer na serraria. Preparamos nosso campinho vis-à-vis à casa, em um pedaço de terra capinado pelo “seu” Joaquim, nosso morador.
Para jogar, chamávamos a meninada dos arredores. Todos eram de vida simples, muitos sem estudo ou ajudando os pais no roçado ou em outros serviços. Mas ali, na brincadeira, não tinha diferença. Todo mundo era igual e jogava com liberdade, no maior respeito.
Meu aniversário é em julho, e Papai fazia questão que eu convidasse aqueles amigos para a festa muito bem preparada pela Mamãe. Tinha almoço, refrigerante, bolo à vontade e muito futebol. O pessoal comia e bebia ao ponto de quase “espocar o bucho”, sem ligar em fazer digestão – o que importava era a diversão.
O que mais me encanta ao lembrar disso era o jeito de convidar meus amigos para a festa. Papai comprava camisas de meia e eu as distribuı́a como convite. Era uma maneira de formar os times e, ao mesmo tempo, igualar todos. Assim, além da amizade, ninguém reparava a condição de vida do outro. A alegria estava em viver o momento, como as crianças sabem fazer muito bem.
No baú das memórias desses aniversários, guardo a lição marcante de meu pai: reconhecer e valorizar as pessoas pela essência de quem elas realmente são.
*Totonho Laprovítera
Arquiteto, escritor e artista plástico.