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“Impacto da Reforma Tributária no saneamento básico”

Neuri Freitas é presidente da Aesbe e da Cagece

“É importante relembrar que o Saneamento de Base não é apenas um serviço de infraestrutura, mas um direito fundamental ligado diretamente à Saúde Pública”, aponta o presidente da Cagece, Neuri Freitas

Confira:

– Quem, de fato, protege o Saneamento Básico e reconhece a função e a relevância do setor na Saúde, qualidade de vida, desenvolvimento econômico e preservação ambiental do País? A indagação paira sobre as empresas de Saneamento Básico, após recente aprovação, na Câmara dos Deputados, do texto que regulamentou a Reforma Tributária do Brasil (PLP 68/2024).

Malgrado os comprovados influxos positivos do Saneamento Básico na Saúde Pública, como as reduções de mortalidade infantil, doenças transmissíveis e internações hospitalares, a Câmara dos Deputados decidiu não equiparar referido Saneamento à Saúde. Não houve nenhuma condição de alíquota tributária diferenciada, para, pelo menos, manter a tributação atual, mesmo sendo um serviço essencial para milhões de brasileiros que ainda aguardam se louvar no direito humano e fundamental de acesso à rede pública de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário.

A ausência de uma taxa reduzida para a área, ou a equiparação aos serviços de Saúde, torna a realidade ainda mais preocupante para o Saneamento Básico. Isso porque o texto aprovado na Reforma Tributária aumentará em 18% a tributação, causando desequilíbrio econômico-financeiro para as empresas de Saneamento do País, sejam públicas ou particulares.

Como consequência, para resolução deste desequilíbrio e a fim de evitar falência de empresas, será necessário o aumento de tarifa para a população e/ou redução de investimentos com vistas a assegurar as metas previstas para 2033, estabelecidas na Lei 14.026/2020. Expresso de maneira diversa, sem o aumento de tarifa e manutenção de investimentos, o setor não conseguirá chegar à universalização prevista em lei.

Do ponto de vista da carga tributária, conforme explicado por este autor em artigo na Revista Conjuntura Econômica, as companhias de Saneamento Básico estão contidas na regra geral de incidência do Imposto sobre Valor Agregado dual (IVA dual), que será composto pelos dois tributos recém-criados: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Com isso, o peso dos tributos para o setor passará dos atuais 9,74% para 28% de alíquota padrão, de acordo com dados anunciados em estudo publicado pelas entidades representativas da área.

Impõe-se destacar, neste passo, a ideia de que, durante toda a discussão da Reforma Tributária, entidades que representam empresas públicas e particulares do segmento atuaram em conjunto na tentame de equiparar os serviços de Saneamento às atividades de Saúde, conseguindo apoio no Senado Federal. A proposta, no entanto, não obteve o mesmo respaldo na Câmara dos Deputados, que decidiu excluir a medida da peça final.

Ressalta-se, também que, nos últimos anos, as atividades de Saneamento Básico enfrentaram – conforme continuam arrostando – diversos reveses, a,a exemplo da aprovação da Emenda Constitucional 132/2023, que alterou o Sistema Tributário Nacional e também culminou na retirada do Saneamento Basilar do regime tributário diferenciado, distanciando da necessária – e óbvia – equiparação à Saúde.

É importante relembrar que o Saneamento de Base não é apenas um serviço de infraestrutura, mas um direito fundamental ligado diretamente à Saúde Pública. O Sistema Único de Saúde (SUS), conforme a Constituição, o inclui como essencial para a promoção da saúde e prevenção de doenças. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa), vinculada ao Ministério da Saúde, também cumpre missão indescartável na execução de projetos de Saneamento, reforçando ainda mais essa conexão com a Saúde. Portanto, ao tratar o Saneamento como área qualquer, sem os benefícios tributários concedidos a serviços essenciais como a Saúde, a Reforma Tributária compromete a qualidade de vida da população.

É delicado ver que a relação entre Saneamento e Saúde Pública foi ignorada por parlamentares que deveriam defender, minimamente, o seu bom funcionamento. Onde o Saneamento é adequado, a incidência de doenças diminui, aliviando a pressão sobre o Sistema de Saúde e economizando recursos públicos. Como expresso inúmeras vezes, o Saneamento é um direito fundamental e, portanto, não deveria ser tratado como qualquer outro serviço.

Outro ponto a merecer atenção nesta análise diz respeito ao dispositivo de cashback, anunciado pelo Governo Federal como alternativa ao crescimento nas tarifas de água e esgoto para a população de baixa renda. De acordo com o texto aprovado, o cashback será de 100% para a CBS e apenas de20% para o IBS. Considerando uma taxa total de 28%, a devolução chegará a apenas 12,8%, enquanto 15% da alíquota do IBS não serão devolvidos.

Isso demonstra que a população de baixa renda sofrerá com este aumento da carga tributária, numa proporção menor do que as demais categorias de clientes das empresas de Saneamento.

Assim, o dispositivo representará, tão somente, um desconto no aumento. Isso porque, mesmo os beneficiários da tarifa social – aqueles que terão direito a cashback – serão impactados com pelo menos 6,5% de crescimento nas contas de água e esgoto, de acordo com dados do setor.

Nesta contextura, salienta-se que, como toda política pública, há nela uma linha de corte. No caso concreto, essa impõe limite em famílias com renda familiar per capita inferior ou igual à metade do salário-mínimo vigente.

Conforme é sabido, porém, há um universo grande de seres tão vulneráveis quanto os beneficiários do cashback, que não terão direito a qualquer redução do aumento das tarifas de água e esgoto. Aqui se faz referência a pessoas cuja renda familiar per capita é pouco maior do que a metade do salário-mínimo vigente e que, em decorrência do reajustamento da carga tributária para o Saneamento, terão de arcar com a nova estipulação em suas contas de água e esgoto.

Destaca-se, ainda, o fato de que o próprio conceito de cashback (reembolso) pressupõe certa capacidade de pagamento por parte da população de baixa renda. Ou seja, esse mesmo contingente, teoricamente beneficiado, precisará ter orçamento familiar para primeiro custear o serviço e, somente após, receber de volta a parte que será reembolsada pelo Governo.

É fato que o cashback privilegia uma parcela inexpressiva dos consumidores, já que a maioria dos usuários residenciais não se enquadra no critério, sofrendo diretamente com o aumento tarifário que virá. Consumidores de grande porte, como indústrias e comércios, também serão afetados, o que vai ensejar, decerto, custos adicionais ao extenso da cadeia produtiva, prejudicando indiretamente até os beneficiários do cashback.

Outro choque preocupante é a fuga de grandes consumidores (como indústrias) para fontes alternativas de abastecimento de água e tratamento de esgoto, o que é capaz de comprometer, ainda mais, a receita das prestadoras de serviços de Saneamento Básico e dificultar a universalização, especialmente em áreas de acesso difícil e custo elevado, o que é passível de comprometer a premissa de subsídio cruzado utilizado pelo setor, necessária para a prestação dos serviços e a sustentabilidade das empresas e, consequentemente, a universalização.

Além do choque para aqueles que têm acesso aos serviços, acredita-se que a reforma vai prejudicar a expansão para os que não dispõem de redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O alcance da universalização demanda investimentos superiores a R$ 890 bilhões, conforme Trata Brasil. Sem dúvidas, o incremento na carga tributária vai desacelerar os investimentos e inviabilizar projetos em desenvolvimento, seja por financiamentos bancários ou parcerias com o setor privado.

Restou, por consequente, às empresas de Saneamento a sensação de vivenciar um momento de frustração, de inesperada decepção, visto que o segmento atuou para, minimamente, manter a tributação atual, já que a possibilidade de equiparação à Saúde fora rechaçada. Como resultado, amargou um aumento considerável da carga tributária.

Para o setor, é paradoxal constatar que a Reforma Tributária deu tratamento diferenciado para a cesta básica – o que é ótimo – mas aumentou tributos para a água – ambos produtos essenciais para a vida e a dignidade humana.

Enquanto isso, defensivos agrícolas, sementes e biofertilizantes receberam redução de 60% (art. 138 e seguintes, e Anexo IX) na alíquota padrão dos novos tributos, assim como armas e munições, que terão carga tributária menor em comparação ao sistema anterior de impostos.

Mesmo com todas as adversidades, porém, as companhias de Saneamento permanecem firmes na luta em prol da universalização dos serviços, mantendo a esperança de que novas pautas, como a regulamentação da recém-criada Tarifa Social (Lei 14.898/24), possua entendimento adequado e não se configure em novo baque, tendo em vista estudos da Aesbe, que também demonstram impacto na tarifa dos usuários.

Neuri Freitas é presidente da Cagece e da Aesbe

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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