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“Imperialismo agonizante”

Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política

“OTAN e BRICS em rota de colisão: os desafios de um mundo multipolar diante de um imperialismo que resiste”, aponta o cientista político Alexandre Aragão de Albuquerque.

Confira:

1. No dia 4 de abril de 1949, em Washington D.C., foi assinado por doze países o Tratado do Atlântico Norte, também conhecido como Tratado de Washington, que criou a OTAN.

Em seu artigo 5º, lê-se que um ataque armado contra uma ou várias nações integrantes da organização, na Europa ou na América do Norte, será considerado um ataque a todas. Assim, no exercício de legítima defesa, reconhecido pelo artigo 51º da Carta das Nações Unidas, cada nação-membro, individual ou coletivamente, prestará assistência à parte ou às partes atacadas, praticando sem demora, a ação que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para garantir a segurança na região do Atlântico Norte.

O primeiro secretário-geral da OTAN, Lord Ismay, afirmou que o objetivo da organização era “manter os soviéticos fora, os americanos dentro e os alemães por baixo”, para promover a estabilidade e o bem-estar na área do Atlântico Norte, desenvolvendo esforços à sua defesa coletiva e segurança. Para tanto, seria preciso fomentar o alargamento da organização com o ingresso de novos membros. Por fim, fazia-se necessário o maior uso de armas nucleares, estabelecendo a integração da política nuclear comandada estrategicamente pelos EUA. (Disponível em: https://www.nato.int/cps/en/natohq/official_texts_17120.htm).

Em declaração estratégica oficial de 1957, a OTAN afirmou que se os soviéticos estivessem envolvidos em uma ação local hostil e tentassem ampliar o escopo de tal incidente ou prolongá-lo, a situação exigiria a utilização de todas as armas [inclusive nucleares] e forças à disposição da OTAN, já que em nenhum caso existe um conceito de guerra limitada com os soviéticos. (Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, 1957. Disponível: https://www.nato.int/docu/stratdoc/eng/a570523a.pdf).

E na formulação estratégica de 2022, diante da guerra da OTAN na Ucrânia, ela retoma conceitos anteriores, menciona as novas ameaças, afirmando nominalmente Rússia e China como inimigos. Para a organização, as ambições declaradas e as políticas econômicas da República Popular da China desafiam os seus interesses, segurança e valores, assim como a Federação Russa é a ameaça mais significativa e direta à segurança dos aliados e à paz e estabilidade na área euro-atlântica. (Organização do Tratado do Atlântico Norte, 2022, p. 13). Eis claramente como a OTAN concebe estas duas nações com seu povo.

2. No dia 22 de outubro teve início a 16ª. Cúpula BRICS na cidade de Kazan, uma espécie de capital mulçumana da Rússia, com a participação de 36 países dos quais 24 foram representados pelos Chefes de Estado. Para o embaixador Eduardo Saboia, responsável pelas negociações do Brasil no âmbito do BRICS, a maratona de negociações iniciadas já no dia 17 de outubro foi concluída com sucesso.

A criação do BRICS é, acima de tudo, uma reestruturação da ordem mundial, um questionamento fundamental do imperialismo estadunidense, baseado economicamente na hegemonia do dólar, como meio internacional de troca, um sistema que foi transformado em uma arma política para aplicação de sanções, punições e confiscos de quem lhe perturbar os interesses, e militarmente na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), criada para defender a todo custo, mediante o uso da violência armada, inclusive nuclear, os objetivos hegemônicos dos EUA na geopolítica mundial, submetendo paulatinamente a Europa a uma dependência total norte-americana.

Este é o pensamento do político francês Florian Phillipot, conforme entrevista concedida ao site Sputnik Brasil, para quem o BRICS é uma oportunidade para a Europa no sentido de possibilitar um desenvolvimento alternativo ao imperialismo estadunidense, em vez de representar uma ameaça à sua existência.

Como afirmou o presidente da Duma de Estado, o russo Vyacheslav Volodin, em seu canal do Telegram, “o plano de Washington e Bruxelas para isolar a Rússia fracassou. Os países querem viver num mundo multipolar e equitativo. Este mundo se baseia no respeito mútuo e na igualdade soberana dos Estados”.

Um dos pontos focais da agenda foi a definição de uma categoria de países parceiros do BRICS e seus respectivos critérios de admissão. Dois aspectos são fundamentais, destacou Saboia. Primeiramente, os países parceiros do BRICS não devem adotar sanções unilaterais, devendo manter relações amigáveis com todos os integrantes do grupo. Em segundo lugar, devem apoiar uma ampla reforma no Conselho de Segurança da ONU. Com estas duas máximas, o Bloco visa promover uma vasta reforma da ordem global. O foco da Cúpula deste ano é consolidar a entrada dos novos membros plenos, que são Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Irã. (Sputnik Brasil).

Como lembra o economista brasileiro Paulo Nogueira Batista Jr., ex-vice-presidente do Banco NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), o desafio do BRICS é antes de tudo político. Nogueira relembra a crítica do presidente francês Charles De Gaulle, nos anos 1960, para quem os EUA desfrutavam de um privilégio exorbitante em função de ser o único país a poder pagar todas as suas contas e dívidas emitindo moeda própria, disparando sua arma política para aplicação de sanções, punições e confiscos de quem lhe perturbar os interesses. China, Rússia e Irã não são provavelmente vulneráveis a este tipo de pressão, mas o mesmo não pode ser dito de outros países do novo bloco.

Ao mesmo tempo, afirma Nogueira, é um desafio técnico, uma vez que construir um sistema monetário e financeiro alternativo requer trabalho árduo especializado, bem como negociações prolongadas e difíceis. Importante destacar o avanço de transações bilaterais entre os países do BRICS e entre o BRICS e outros países (Brasil de Fato, 18/10/2024).

3. Mas é obrigatório registrar que além da violência armada e das sanções econômicas, o bloco da OTAN está utilizando a comunicação como mais um teatro de operações de sua guerra contemporânea, realizando uma ampla censura à liberdade de expressão e desenvolvendo uma forma de produção de mensagens pragmáticas pelas quais importa o impacto que as palavras podem causar nas pessoas mais do que o conteúdo em si.

Por exemplo, segundo o professor Héctor Saint-Pierre, especialista em segurança internacional da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o uso do termo “Eixo da Revolta” pela mídia e institutos de análises políticas do ocidente, em alusão a aproximação entre China, Rússia, Irã e Coreia do Norte, visa apresentar os países citados para a comunidade internacional como um bloco pária, um eixo do mal.

O professor destaca que a utilização midiática do termo ocorre em concordância com a publicação do relatório da Comissão sobre Estratégia de Defesa Nacional dos EUA, em julho deste ano, que basicamente aponta a inevitabilidade de uma próxima guerra – uma Terceira Guerra Mundial – que seria justamente contra o eixo composto pelos quatro países denominados Eixo da Revolta.

Segundo Saint-Pierre, para se preparar para 2026, ano apontado no documento como o da possível eclosão do conflito, os EUA têm também de modificar sua linha diplomática para operar por linhas exteriores. Nessa operação, que é ganhar a opinião pública internacional, está a ferramenta ou a arma principal, as palavras. Objetiva-se com isso evitar a neutralidade, obrigando países, como os latino-americanos, a se alinharem automaticamente com os EUA. Por isso o combate sistemático ao BRICS. (Sputnik Brasil, 23/10/2024).

Em sua declaração final, a 16ª. Cúpula dos BRICS denuncia a escalada sem precedentes, condenandoa violência na Faixa de Gaza e no Líbano, perpetrada pelo Estado de Israel, resultando em assassinatos e ferimentos graves em massa de civis, deslocamento forçado da população e destruição generalizada da infraestrutura, além dos ataques israelenses contra operações humanitárias, instalações, pessoal [da ONU, inclusive] e pontos de distribuição. A Cúpula se declara alarmada com o fato de os ataques israelenses alimentarem o extremismo em suas diversas expressões, acarretando graves e imprevisíveis consequências em nível regional e global.

E no artigo 56, expressam séria preocupação com disseminação e proliferação exponencial de desinformação, de informação enganosa, incluindo propagação de narrativas e notícias falsas, bem como de discurso de ódio, especialmente em plataformas digitais que alimentam o sectarismo e exacerbação dos conflitos.

As armas letais disparadas em escala exponencial pelos EUA – sanções econômicas e confisco de ativos, meios de comunicação e força bélica – demonstram o quanto o seu império acusa a agonia na qual está submetido em virtude do desejo de um mundo multipolar buscado pela comunidade internacional representada no 16ª. Cúpula do BRICS.

Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)

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