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“Indignação hipócrita”

Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política

“As nações farão o enfrentamento necessário ao violento expansionismo nacionalista sem-medidas de Trump?”, aponta o cientista político Alexandre Aragão de Albuquerque

Confira:

“A hipocrisia é um exercício de dominação”. (Alain Badiou)

Hipócrita é um termo abundantemente encontrado em textos de livros sagrados cristãos para designar pessoas e circunstâncias impeditivas da manifestação da verdade, que como acontecimento, é sempre universal.

Hipócritas utilizam-se da hipocrisia para exercer sua dominação sobre outros por meio da manipulação dos fatos e das palavras. Para tanto, o hipócrita finge ser o que não é, para apresentar-se publicamente como alguém diferente de si mesmo: um gatuno apresentando-se como um mito.

A hipocrisia tem origem em dois vocábulos gregos: “hypos”, que significa debaixo (“o que a gente faz é por debaixo dos panos”), e “krinein”, o ato de separar gradualmente. Era empregada inicialmente em relação ao desempenho dos atores no teatro grego que em suas encenações expressavam emoções não reais, ou seja, relativas aos personagens representados no palco. O teatro grego caracterizava-se, entre outras coisas, por ser um teatro de máscaras.

Atos e discursos que se pretendam verdadeiros e universais não podem ser escondidos por debaixo dos panos. O que se esconde é o particular. Há particularidades virtuosas que precisam ser preservadas, como por exemplo o ato sexual entre cônjuges ou os colóquios confidentes entre pais e filhos. Mas existem particularidades perversas, criminosas, como, por exemplo, a trama golpista perpetrada pelos neofascistas militares e civis brasileiros, alimentada metodicamente durante todo o governo Bolsonaro, que atingiu seu cume desesperado no ato terrorista de 8 de janeiro de 2023.

Mas, por não ser verdadeiro, o fingimento do hipócrita não consegue se sustentar o tempo todo. De repente, suas contradições vêm à tona, quem está à sua volta consegue perceber a falsidade do enredo construído. A tensão do hipócrita reside na sua condição de condenar no outro aquilo que quer esconder e não admitir possuir em si.

Nicolau Maquiavel (1469-1527), marco divisório da ciência política, em sua obra “O Príncipe”, aborda a hipocrisia como uma ferramenta para se manter no poder. Ele sugere que a maioria das pessoas julga com base em aparências, não em realidades: “os homens, em geral, formam suas opiniões guiando-se mais pela vista do que pelo tato, pois a todos é dado ver, mas a poucos é dado sentir”. Ou seja, para o florentino, as pessoas tendem a acreditar no que veem, mesmo que não seja verdade. Um príncipe hipócrita faz uso dessa condição humana para manipular opiniões e percepções, mantendo o controle sobre os seus súditos.Por sua vez, o pensador francês Michel Foucault (1926-1984), entre as lições conferidas em seus estudos sobre o Poder, destaca o processo de instituir mitos como sendo essencialmente um ato de poder. Quanto mais autoritário for o pensamento de um grupo, tanto mais autoritário será o regime que forjará a verdade por ele imposta aos seus governados, não importando se para isso farão uso de falsidades, fake news e manipulações em torno da realidade objetiva. Por isso, determinadas falsidades e hipocrisias não são tão fáceis de serem percebidas nem denunciadas.

O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1939), um dos mais influentes pensadores do século XX, discorre sobre a miopia dos indivíduos e grupos por não enxergarem o óbvio – uma espécie de cegueira tão bem redigida pelo escritor português José Saramago em seu Ensaio sobre a Cegueira. Wittgenstein utiliza a expressão “há um elefante na sala”, o que se supõe que facilmente seria visto por quem estivesse naquele ambiente, mas a realidade dos fatos parece constatar o contrário.

Uma verdade óbvia ou um problema evidente que são ignorados ou não sendo enfrentados é algo bastante problemático. Nossa compreensão de mundo, conforme atesta o filósofo austríaco, é mediada pela linguagem e imagens, que são práticas sociais e contextuais. Assim, ignorar algo tão evidente como a presença de um elefante na sala é uma falha grave em não se reconhecer e nem abordar um aspecto importante e crucial do contexto em que a comunicação e a realidade estão acontecendo.

Exemplo concreto recente trata-se da proposta imoral, indecorosa e infame afirmada nesta quinta-feira (6) pelo presidente Donald Trump, que a Faixa de Gaza será entregue aos EUA por Israel: os palestinos devem ser expulsos de sua terra natal e seguir para outros países como Egito e Jordânia.

Uma violação flagrante de direitos humanos e do direito internacional. Continuação do genocídio perpetrado pelo Estado de Israel, financiado pelo Estado norte-americano. Afrontosa limpeza étnica pela remoção forçosa de uma população de seu território ancestral – Seu Lar Materno-Paterno – ignorando a autodeterminação das pessoas, seus direitos à dignidade e residência, exacerbando ainda mais o sofrimento humano naquela região.

Hitler liderou um regime nazista, com planos de expansão territorial e eliminação de grupos específicos, que resultou na morte de milhões de pessoas, entre as quais judeus, desaguando na Solução Final e no Holocausto. Contra ele e contra o nazismo as nações pegaram em armas para estancar tais atrocidades.

A questão que se impõe é: as nações farão o enfrentamento necessário ao violento expansionismo nacionalista sem-medidas de Trump, ou ficarão apenas em discursos hipócritas de indignação enquanto os palestinos são dizimados?

Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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