Com o título “Individualismo, CLT e empatia seletiva”, eis artigo de Valdélio Muniz, jornalista, analista judiciário, mestre em Direito Privado e professor de Direito. “Para assegurar a aplicação deste aparato jurídico, surgiram e ganharam indiscutível relevância a Justiça do Trabalho, o MPT, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a organização sindical, entre outros”, expõe o articulista.
Confira:
Uma questão contemporânea que preocupa a todos quantos militam, de diferentes modos, no Direito do Trabalho, sejam acadêmicos, advogados, magistrados, membros do Ministério Público
do Trabalho (MPT) ou servidores (técnicos e analistas) é a onda que tem se propagado, sobretudo entre jovens e adolescentes, de que ser chamado de CLT se tornou uma “grave ofensa”, um ato
de subestimação das capacidades alheias.
A Consolidação das Leis do Trabalho representa no Brasil não a única, mas uma das principais fontes do Direito do Trabalho. A Constituição Federal, sobretudo entre os artigos 7º e 11º, apresenta o núcleo forte do chamado direito constitucional do trabalho. A ele se somam normas de direito material e processual reunidas na CLT, nos contratos individuais de trabalho e regulamentos empresariais internos e regras estabelecidas em leis esparsas (ordinárias e complementares) como as leis do FGTS, do aviso prévio, do aprendiz, do estágio, do trabalho temporário, do trabalho rural e das domésticas, além das Convenções Coletivas de Trabalho (CCTs) firmadas entre sindicatos patronais e sindicatos de trabalhadores e os Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs) celebrados entre empresas (ou grupos de empresas) e sindicatos de trabalhadores.
Ocorre que nem sempre tivemos todos estes aparatos protetivos. E nenhuma destas fontes teria se constituído sem que, historicamente, tivesse existido a coalizão (reunião) de trabalhadores em manifestações, greves e protestos (sob riscos e ameaças à própria vida e à integridade física) contra a superexploração como a verificada nas fábricas, por exemplo, durante a 1ª Revolução
Industrial (1760-1860), com jornadas exaustivas (até 17 horas) vitimando jovens, crianças, adultos e idosos. Para quem nasceu nas décadas mais recentes, tudo parece tão natural que resta difícil,
exceto pelo estudo dedicado da História e uma boa (mas cada vez mais rara) formação crítica, entender o valor de tais conquistas e, consequentemente, se comprometer, pelo menos, com a
sua preservação.
A organização dos trabalhadores (união de forças), decorrente da formação de uma consciência de classe, se mostrou determinante para a conquista de direitos, assim como o apoio
de instituições como a Igreja Católica (que o diga a encíclica Rerum Novarum, do latim, Coisas Novas, editada pelo Papa Leão XIII, em 1891) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT,
fundada em 1919) e de tantos pensadores como Marx e Engels (O Manifesto Comunista, de 1848), que advertiram para a necessidade de intervenção estatal sobre as relações de trabalho, posto que a liberdade econômica conferida ao mercado se mostrou incapaz de produzir relações justas e equilibradas. Para assegurar a aplicação deste aparato jurídico, surgiram e ganharam indiscutível relevância a Justiça do Trabalho, o MPT, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a organização sindical, entre outros.
Contudo, a ideologia que se propaga com velocidade vertiginosa e numa multiplicidade de meios, plataformas e redes sociais, rodas de conversas e tantos outros espaços, é um convite permanente (praticamente um culto) ao individualismo, à ilusão da meritocracia e a destruição de qualquer noção de coletividade, desvalorizando-se totalmente a ideia verdadeira de solidariedade, reduzida a sentimentos pontuais (seletivos) de compaixão e empatia. E como parte deste enredo, alimenta-se uma aversão à política (ignorando seu sentido amplo, que supera a ação partidária) e a sindicatos que revela, sobretudo, uma lamentável alienação que sinaliza um altíssimo custo social.
Ora, uma vez desmobilizada qualquer retaguarda (defesa) do aparato protetivo torna-se muito mais fácil o seu desmonte com a complacência (e, muitas vezes, até mesmo discursos de apoio)
daqueles(as) que seriam (ou deveriam ser), como destinatários e sujeitos dos direitos, os principais interessados não apenas pela defesa de sua preservação, mas pela sua ampliação diante das novas demandas surgidas com os avanços tecnológicos. Como se, na vida real, houvesse, de fato, espaço para que toda a nova geração se torne atletas bem sucedidos ou influencers de sucesso.
“Ah, mas as novas gerações pensam diferentemente. Querem relações mais flexíveis, com menos ‘amarras’”, dirão alguns analistas da pós-modernidade e defensores destes modos de vida e de pensamento. Mas, insisto em perguntar: não seria, então, o caso de se organizarem no sentido de, coletivamente, também atualizarem os dispositivos legais/constitucionais acrescentando-lhes as normatizações que lhes pareçam relevantes e adequadas, sem que se permita, sob tal pretexto, a destruição dos arcabouços existentes e ainda necessários a tantos outros trabalhadores? Será mesmo impossível conciliar, solidariamente, as demandas próprias com as dos demais cidadãos?
*Valdélio Muniz
Jornalista, analista judiciário, mestre em Direito Privado e professor de Direito.