“Quando surgiu uma vaga no Supremo, houve gente daqui (nossa terrinha é assim mesmo, não é?) que achou que ele (Michel Temer) me indicaria. Em primeiro lugar, eu jamais desejei (ou pretendi) isto, pois nunca me senti inclinado a ser juiz”, aponta o advogado e professor Valmir Pontes Filho.
Confira:
Passados tantos anos, creio que posso relatar um episódio desta minha (atual) vida que considero – vou chamá-lo assim – irônico. Conheci o Prof. Dr. Michel Miguel Elias Temer Lullia ainda na década de 80. Era eu Procurador-Chefe do Centro de Estudos e Treinamento – CETREI, da PGE do Ceará, quando consegui contatá-lo (ele era, então, Procurador do Estado e São Paulo e Professor da PUC).
Havendo lido (eu ensinava essa matéria) o seu excelente e didático livro “Elementos de Direito Constitucional”, ousadamente convidei-o para ministrar um curso (de uma semana) aqui em Fortaleza. Ele surpreendentemente aceitou e daí começamos uma boa e sólida amizade.
Ele, então exercendo o cargo de Procurador-Geral da PGE de São Paulo, me convidou (por demasiada gentileza) para proferir uma palestra no CETREI de lá. Noutra oportunidade – logo após a minha separação da primeira mulher e do falecimento do meu pai – fui a São Paulo com as três filhas (ainda crianças) que tinha. Por insistência dele, ficamos todos hospedados no seu apartamento dele (lembro que as seis meninas, 3 dele e 3 minhas, dormiam no mesmo quarto… uma alegria só!).
Em dado momento, gentilmente ele insistiu comigo para que eu fosse fazer o Mestrado em Direito Constitucional na PUC de São Paulo, conseguindo-me uma bolsa da CAPES (eu não podia pagar aquela cara instituição). Além de se oferecer para seu meu orientador no mestrado, sugeriu que – visando a economizar meus parcos recursos – dividisse as despesas de aluguel de um (modesto) apartamento com outra pessoa, conhecida dele.
Tratava-se um jurista de Sergipe, também com o casamento “cambelante” como o meu: tratava-se de Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto. Enfim, moramos juntos durante todo o mestrado e nos tornamos amigos íntimos. Este, além de um cientista do Direito, era (e é) magnífico poeta… um dos seus livros de poesias foi dedicado a mim, para meu orgulho pessoal). Sim, é o mesmo Carlos Britto, que se tornou Ministro do STF, com trajetória brilhante. Um amigo comum, o notável Professor Adilson Dallari, de forma brincalhona, dizia que vivíamos, Carlinhos (*) e eu, em “regime de concubinato” na Avenida da Consolação (risos).
Eu, já novamente casado (na verdade acho ainda que noivo da Elny), recebi o Prof. Michel aqui logo após a separação dele e de sua primeira esposa (com quem eu me dava muito bem, aliás), e fizemos belos passeios pelas praias (num bugre emprestado pela família Ventura), que incluiu um memorável almoço no agradável sítio da minha querida e saudosa amiga Angélica Ximenes, também Procuradora e professora emérita.
Certa vez estive na casa oficial da Presidência da Câmara dos Deputados, a convite, para uma visita de cortesia. Depois, também a chamado dele, fui ao seu Gabinete no Palácio da Esplanada (em companhia do então colega de escritório o Professor Alcimor Aguiar Neto). Tomamos um café e conversamos a relembrar coisas do passado.
Quando surgiu uma vaga no Supremo, houve gente daqui (nossa terrinha é assim mesmo, não é?) que achou que ele me indicaria. Em primeiro lugar, eu jamais desejei (ou pretendi) isto, pois nunca me senti inclinado a ser juiz (**). Demais disso, o Professor Michel nunca teria cogitado do meu nome para tanto, dada a minha pequenez de advogado de província. Afinal, meu conhecimento jurídico nunca foi “notável”, como exige a Constituição… e continua sem sê-lo. Muita gente respeitabilíssima da própria PUC ele merecidamente convidaria.
Apostei no Adilson (já referido), que havia sido até seu colega de escritório. Ou nos (também) refinados juristas Marcelo Figueiredo, Sergio Ferraz e Paulo Modesto, todos dotados de requintada cultura, equilíbrio e ponderação. Mas ele indicou Alexandre de Moraes.
Cerca de dez dias depois de tornada pública a indicação, quando estava eu na praia de Flecheiras com Elny e Maria Carolina (nossa filha, ainda criança), recebi (no celular, em pleno sábado à noite) uma ligação com o código 061. Achei estranho mas atendi. Custei a crer que era ele, o Presidente Michel, para me convidar para ser membro do Conselho Fiscal de um banco federal (era o próprio Banco do Brasil ou um subsidiário dele, não lembro bem). A remuneração era sedutora e havia um mandato a cumprir!
Pedi a retornar na segunda-feira seguinte, dando-me ele um número privado. Conversei com Elny, pensei e liguei (ele realmente atendeu), mas para declinar do honroso convite, pois não me considerava apto para as funções. Com efeito, sem formação em Economia, Contabilidade ou Finanças Públicas, “quebraria” qualquer estabelecimento bancário em dois meses (rsrs). Ele, um cavalheiro, entendeu e nunca mais nos falamos.
Quero registrar que, embora em momento extremamente difícil, o Presidente Michel Temer tomou medidas econômicas muito acertadas. Pena haver sido sucedido por quem o foi. Mas é a vida. Tenho-lhe gratidão, bem querer pessoal e admiração. Mas admito que não me conformo, até hoje, com a escolha dele para o Supremo.
(*) Era assim, carinhosamente, que ele era chamado por mim, pela família e amigos próximos.
(**) Houve outra oportunidade, anterior, em que supus estar prestes a ir para a sobredita Corte. A atual Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha é testemunha disto. Depois conto.
*Valmir Pontes Filho
Advogado e professor.