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“Já estamos na Terceira Guerra Mundial?” – Por André Gattaz

André Gattaz é jornalista e historiador

“Avaliação histórica mostra que há muitos elementos em comum entre os conflitos atuais e as duas guerras mundiais do século XX”, aponta p jornalista e historiador André Gattaz

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Uma pergunta que há muitos anos ouço de meus alunos é se ou quando haverá uma Terceira Guerra Mundial. (Sim, aos historiadores e professores de história cabe o papel de oráculos, tendo não apenas que compreender o passado e explicar o presente, mas também prever o futuro. E haja erro nessas previsões! No último dia 12, enquanto eu explicava a ouvintes de uma palestra porque não acreditava que Israel fosse atacar o Irã, Israel estava atacando o Irã…) Nas últimas semanas, porém, essa pergunta tem ficado mais presente, surgindo também com frequência na mídia, e mudando a formulação para: “Já estamos na Terceira Guerra Mundial?”

A pergunta é válida, embora de difícil resposta. Afinal, quem viveu os anos 1930 e início dos anos 1940 não percebeu exatamente quando começou a Segunda Guerra Mundial. A data adotada pela historiografia, 1º de setembro de 1939, foi quando ocorreu a invasão nazista da Polônia que desencadeou a reação franco-britânica, mas a expansão alemã já havia se iniciado em março de 1938, com a anexação da Áustria. E em relação à Ásia, a expansão imperial japonesa havia começado bem antes, com a invasão da Manchúria em 1931. De fato, até o envolvimento estadunidense após o ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, não havia propriamente uma guerra mundial, mas uma guerra europeia simultânea a uma guerra asiática.

A característica fundamental das chamadas “Guerras Mundiais” foi envolver Estados localizados em diferentes continentes, que não apenas apoiaram financeira ou moralmente um dos lados em determinado conflito, mas participaram efetivamente de conflitos ocorridos em terras distantes, com o envio de equipamentos e tropas. Até então as guerras davam-se majoritariamente entre países limítrofes, que disputavam entre si o controle de terras e recursos específicos (à exceção das guerras coloniais, opondo metrópoles a colônias). Já nas duas Guerras Mundiais, centenas de milhares de soldados foram enviados a outros continentes para combater, muitas vezes por motivos alheios à sua realidade. Outra caraterística marcante dessas guerras foi a formação de amplas coalizões intercontinentais, em alguns momentos unindo países adversários em prol da vitória sobre um inimigo comum – como notadamente ocorreu na aliança atlântico-soviética, que derrotou os nazistas na Segunda Guerra. Outros aspectos a se destacar foram os grandes impactos sobre a economia mundial, mesmo entre países não envolvidos diretamente na guerra, e a intensidade dos conflitos, provocando milhões de mortes entre militares e civis.

Podemos assim tentar responder a algumas questões para esclarecer se já estamos na Terceira Guerra Mundial: 1) Há o envolvimento de Estados em diferentes continentes, lutando em terras não contíguas a seus territórios? 2) Há a formação de amplas coalizões, eventualmente envolvendo adversários? 3) Há impactos econômicos em grande parte do mundo? 4) Os conflitos são intensos, provocando milhões de mortes?

Em relação à primeira questão, pode haver algum debate se o envio de armas e dinheiro (mas não de soldados) da Europa e dos Estados Unidos à Ucrânia configuraria um conflito mundial. Nesta guerra também houve a participação de soldados norte-coreanos e de voluntários de diversas partes do mundo (inclusive do Brasil), que foram lutar em outro continente por interesses de terceiros. É no Oriente Médio, porém, que as influências externas se evidenciam mais amplamente. Ali a presença de atores externos motivando e alimentando os conflitos é uma constante há muitos séculos – lembremos das Cruzadas, que a partir do final do século XI levaram os nobres europeus a saquear e ocupar o Levante, ou do Acordo Sykes-Picot, que dividiu a região em áreas de influência francesas e britânicas após a Primeira Guerra Mundial, plantando a semente dos conflitos que ocorrem até hoje. No Sudoeste Asiático também se dá uma das mais desumanas alianças entre países já relatada na História, que é a chamada “relação especial” entre Estados Unidos e Israel, tendo como vítimas não apenas os palestinos, alvo do genocídio israelense, mas também libaneses, sírios, iraquianos e jordanianos, que inadvertidamente ocupam milenarmente as terras desejadas para a construção da Grande Israel. Além disso, o Irã, por ser a única força capaz de fazer frente ao sionismo genocida na região, acabou envolvido nos desígnios expansionistas israelenses. Diante dos interesses dessa “relação especial” (mas não dos cidadãos estadunidenses, que não têm por que se verem ameaçados pelo Irã) os Estados Unidos atacaram diretamente o Irã neste domingo (21/jun), deixando evidente a resposta positiva à primeira questão: “Sim, há o envolvimento de Estados em diferentes continentes, lutando em terras não contíguas a seu território.”

Quanto à segunda questão, devemos avaliar se há grandes coalizões unindo parceiros localizados em continentes diferentes, visando fazer frente a outros atores internacionais. E a resposta também parece evidente, indicando que estamos presenciando o conflito entre a decadente Aliança Atlântica (ou Capitalismo Central, ou ainda G7) e o ressurgente Sul Global (ou BRICS). Esta oposição se evidencia quando consideramos que o ataque israelense e estadunidense ao Irã não tem como objetivo “destruir o programa nuclear do Irã”, como afirma a propaganda ocidental, mas realizar a derrubada do governo (denominado “regime” pela imprensa ocidental), a ser substituído por um governo mais flexível aos desígnios imperiais (como ocorreu com o Iraque e a Síria, hoje Estados falidos e em constante guerra civil). E a derrubada do governo iraniano é estratégica para se fazer frente à ascensão dos BRICS, da qual dois dos mais evidentes projetos são a conexão terrestre por trens de alta velocidade entre China e Europa (que tem no Irã e tinha na Ucrânia dois parceiros importantes) e a substituição do dólar e dos sistemas de pagamento controlados pelos Estados Unidos por moedas e sistemas independentes deste país. Na oposição aos BRICS e ao Sul Global temos o G7, o grupo formado pelos ex-sete países mais ricos do mundo, que atualmente pode ser definido como o “grupo dos países que condenou o Irã pelos ataques sofridos”, numa inversão completa da lógica na interpretação da realidade. Estes países estão vendo sua importância econômica, sua liderança científica e tecnológica, e mesmo sua influência cultural decaírem em relação ao Sul Global, num movimento que se acelerou na última década face à irrefreável ascensão chinesa. Assim, temos a resposta à segunda questão: “Sim há a formação de amplas coalizões intercontinentais”.

Chegamos à terceira questão: se há impactos econômicos em grande parte do mundo. Lembremos que a Guerra da Ucrânia provocou não apenas o aumento do custo de vida na Europa (que dependia da energia importada da Rússia), mas a decadência de sua indústria e poder econômico (especialmente da Alemanha, cuja indústria é altamente dependente de energia, hoje importada com ágio dos Estados Unidos). O preço dos cereais e dos fertilizantes também sofreu uma alta significativa, causando impactos inflacionários em todo o mundo. Além disso, devemos considerar a Guerra das Tarifas de Trump, da qual ainda não se evidenciaram os efeitos, e o ataque ao Irã, que já está mexendo com os preços do petróleo, podendo então afirmar: “Sim, há impactos econômicos globais”.

A última questão é a única para a qual a resposta não é afirmativa – afinal, o número de mortos, tanto nos conflitos da Ucrânia como do Sudoeste Asiático, é significativamente inferior aos números de civis e militares mortos nas duas guerras mundiais anteriores. Pesa para isso o fato de que mudaram as características da guerra, antes conduzida tendo a infantaria como peça central e a conquista de território como objetivo. Hoje as guerras têm como vedete os mísseis e os drones, que por sua vez são mais precisos do que as grandes bombas despejadas sobre Berlim, Dresden, ou mesmo Hiroshima e Nagasaki, limitando as mortes entre civis. Obviamente esta descrição se relativiza na Ucrânia, onde a conquista de território não é o motivador principal da guerra, e não se aplica ao genocídio em Gaza, onde os israelenses buscam não apenas a conquista do território, mas a expulsão dos habitantes nativos (limpeza étnica). Assim, embora o número de mortos pareça pequeno quando comparado aos da Segunda Guerra Mundial, é bastante significativo quando se tem como parâmetro o pequeno tamanho do território de Gaza, onde mais de 3% da população já foi massacrada por Israel. Assim, apesar da resposta à terceira questão ser negativa, pois ainda não há um número expressivo de mortos (exceto na Ucrânia e na Palestina), é importante relativizar o peso desta característica, pois aparentemente não haverá mais guerras com grandes deslocamentos de tropas e conquista de território.

Vemos então ocorrerem dois aspectos inequívocos das guerras mundiais anteriores: tropas lutando em outros continentes e por motivos alheios à sua vida, e a formação das coalizões intercontinentais. Além disso, já há impactos econômicos relevantes, podendo ocorrer um agravamento no caso de intensificação do conflito no Irã ou da Guerra das Tarifas. O grande número de mortos, felizmente, não estamos mais vendo, embora isso pouco sirva de consolo para palestinos e ucranianos. Como estamos “no meio do redemoinho”, caberá aos historiadores do futuro, portanto, definir se isto que vivemos é uma Guerra Mundial, e se o dia 21 de junho de 2025 será considerado o seu início. Infelizmente, parece que sim.

André Gattaz é jornalista, historiador e editor. Doutor em História Social pela USP. É autor de “A Guerra da Palestina” (Usina do Livro, 2003) e editor da Editora Pontocom

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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