Com o título “Je deballe ma bibliothèque”, eis artigo de Paulo Elpídio de Menezes Neto, cientista político e ex-reitor da Universidade Federal do Ceará.
[Ou, de olho em Hemingway, o nosso “adeus às armas”]
Confira:
Há de se ter “ouvido falar de pessoas a quem a perda dos seus livros as tornou inválidas ou daquelas que para os adquirir, tornaram-se criminosas. Essas são as áreas reais nas quais qualquer ordem é um ato de equilíbrio, extremamente precário”, Walter Benjamin
Sou há tempos doador voluntário espontâneo para a Biblioteca Lustosa da Costa, em Sobral. Se encontraram estantes e leitores, trabalho e sossego, ninguém me disse até hoje. Ana , a última das bibliotecas-leitoras saberá do seu paradeiro e dos leitores que porventura tiveram alguns destes livros ao alcance da mão.
O que conservei comigo, nas prateleiras ainda recheadas, faz parte de escolhas seletivas, definitivas, diria, coleções formadas a partir de temas da minha suposta especialidade ou de preferências catuvantes, inevitáveis. É um acervo que, espero, possa permanecer reunido, à salvo dos bibliógrafos. Não sei se terei coragem para desfazer-me desse “tesouro” em vida. Talvez deixe como encargo para minha filha dar-lhe destino.
Nas doações, o risco consiste precisamente nos descartes. Nos critérios dos senhores do espaço perdido das estantes, os mesmos que definem a utilidade do lastro ou os que condenam as carcaças de papel ao esquecimento.
As bibliitecarias perderam o jeito de lidar com papel impresso, a que chamávamos — livros. Não que se indispusessem contra essa invenção de celhis artesãos de Mainz. Elas vivem em um mundo virtual de arquivos dissimulados, em recolhimento nas núvens de metáfira. Um universo asseado, conservado a partir de downloads, sem fungos ou térmitas e sem leitores presenciais, essa gente chata e primitiva que ainda lê e tem ideias! Um horror legado por Gutenberg com os seus tipos móveis e aquelas impressoras manuais, de onde nasceram os incunábulos fervilhantes de ideias
Penso divulger um Edital com as minhas exigências sobre o que fazer dos livros dos quais cuidei como pastor de um rebanho que apascentei e vi crescer… Ou “esquecendo” intencionalmente alguns livros dispersos em lugares ermos, em busca de leitores ativos e prestantes, que, espero, possam ainda existir.
*Paulo Elpídio de Menezes Neto
Cientista polírtico e ex-reitor da Universidade Federal do Ceará.