Com o título “Lecionar: um ato de resistência?”, eis o título do artigo de Valdélio Muniz, professor de Direito e Processo do Trabalho, analista judiciário, membro do Grupe e mestre em Direito. “Nem adianta muita coisa falar do quanto nos revigora ver o brilho no olhar de um(a) aluno(a) que dedica atenção à sua exposição e te formula perguntas inteligentes capazes de te motivar a aprofundar também o seu estudo em torno da matéria. Certamente, a resposta vem sem dó: “É um entre centenas. Vale a pena todo o seu esforço?”, expõe o articulista.
Confira:
Para quem foi educado e cresceu ouvindo dos pais (especialmente, da mãe) que professor é a profissão de todas as profissões, soa estranho ouvir quase que cotidianamente afirmativas e indagações que mais parecem convites a desistir de tão nobre ofício. Começa com aquelas perguntas nada sutis: “Tu não tens o que fazer ou algo mais útil com que ocupar seu tempo? Está faltando processos para analisar? Sabia que tem extensa gama de streamings com uma quantidade imensa de filmes capaz de ocupar todo o seu tempo livre?”.
Como assim, “tempo livre”? Desde quando a docência se tornou algo destinado a preencher tempo livre? Onde foi que nos perdemos desde os tempos em que dispusemos do convívio com grandes mestres (a quem somos gratos) que se dedicaram a compartilhar conosco suas experiências e saberes?
Há também os que indagam: “Você já fez as contas direitinho para perceber que ganhará muito mais utilizando suas horas dedicadas ao magistério se direcioná-las em seu próprio favor?”. Ainda vem o arremate, em forma de conselho: “Calcule e verá que você está, na verdade, pagando para lecionar”!
E, para estes interlocutores, não adianta muita coisa responder que, ao lecionar, também
aprendemos e que há realização pessoal em contribuir para a formação (não mera titulação) de uma geração de profissionais, porque a resposta vem de pronto: “Quem disse que estão interessados em aprender e estudar? O Google e o ChatGPT são seus porto-seguros. Dificilmente estão verdadeiramente atentos ao que você tem a dizer. Já parou para observar quantos mexem no celular
enquanto você fala, sem dar a mesma importância que você atribui ao que está repassando?”.
E não se dão por satisfeitos: cuidam logo de nos “lembrar” que, se formos muito “carrascos”, vão apenas guardar mágoa “daquele professor chato, ranzinza que, vejam só, insistia em querer fazer
a turma estudar” e que, se formos muito “zen e liberais”, não nos levarão devidamente a sério e acharão que poderão nos engabelar “empurrando com a barriga” mais uma entre tantas disciplinas.
E quando nada mais poderia parecer pior, aparece um interlocutor que não se satisfaz em atacar apenas o ensino. Atinge também seu lado pesquisador: “Não perca tempo com negócio de orientar
TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) porque você sabe que ninguém está interessado em pesquisar nada, muito menos em aprender as normas da ABNT. Se antes já compravam trabalhos ‘científicos’ por encomenda, agora nem disso precisam mais porque contam com a inteligência artificial para produzir o que necessitam”.
Nem adianta muita coisa falar do quanto nos revigora ver o brilho no olhar de um(a) aluno(a) que dedica atenção à sua exposição e te formula perguntas inteligentes capazes de te motivar a
aprofundar também o seu estudo em torno da matéria. Certamente, a resposta vem sem dó: “É um entre centenas. Vale a pena todo o seu esforço?”.
Pior do que ouvir tais questionamentos de terceiros, de fato, é ter de responder, repetidamente, a certas perguntas frequentemente advindas dos próprios alunos: “Professor, o senhor trabalha ou só dá aula? Esse conteúdo vai cair na prova? Mas, o senhor vai passar um trabalho valendo ponto, não é? A prova será pesquisada? A prova pode ser de dupla?”. De fato, é complicado perceber que, para quem está diretamente envolvido no processo de ensino-aprendizagem-pesquisa, o eixo central da formação se resume à prova e o que importa é aquele título (diploma) que virá ao final. Que final? A formatura será apenas o marco inicial de uma nova e árdua caminhada (mas, isso é tema para outras reflexões).
Quem milita no ensino superior jurídico (como suponho, se dê também nas diversas áreas do conhecimento humano) já ouviu muitas destas (e tantas outras) provações. Mas, não resta dúvida: saber “a dor e a delícia” de se aventurar pelas salas de aula. E que o meio acadêmico, longe de ser um espaço de mero glamour, é um espaço “onde os fracos não têm vez”.
*Valdélio Muniz
Professor de Direito e Processo do Trabalho, analista judiciário, membro do Grupe e mestre em Direito.
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A relevância do tema e a lucidez com a qual o articulista o abordou evidenciam a premência da rediscussão do papel central dos professores no desenvolvimento do Brasil.
Parabéns!