“Leonardo Boff no Pirambu” – Por Francisco J. Caminha

F.J.Caminha, escritor e ex-deputado. Foto: Divulgação

Com o título “Leonardo Boff no Pirambu”, eis mais um conto da lavra de Francisco J. Caminha, ex-deputado estadual e escritor. Ele narra episódio envolvendo aquele que foi frade e que, sem batina hoje, se fez muito mais cristão do que tantos que se escondem por trás de um terço na mão.

Confira:

Foi na penumbra dos corredores do Vaticano, onde o cheiro do incenso se mistura ao mofo do poder milenar, que, em 1984, a Igreja Católica Romana condenou um sacerdote franciscano a sanção canônica denominada de “silêncio obsequioso”, que proíbe o apenado de falar em público, ministrar aulas, escrever e publicar livros. Ou seja, de divulgar suas reflexões e pensamentos.

O crime alegado foram as ideias dele constantes no livro “Igreja: Carisma e Poder”, onde o teólogo criticou a hierarquia, a centralização do poder em Roma e propôs à Igreja uma estrutura mais horizontal e menos autoritária. Enquanto a madre Igreja reforçava os dogmas, ele falava de ecologia, de amor e de justiça social. Na verdade, a condenação não era somente de um livro, mas de sua visão de uma Teologia que desafiava a lógica de como o poder era exercido na igreja.

Frei Leonardo Boff esteve, várias vezes em Fortaleza, onde tive a oportunidade de assistir a uma de suas memoráveis palestras e fazê-lo algumas indagações. Com a ousadia de um jovem, indaguei:

– Por que a Eucaristia tinha que ser celebrada somente com hóstia e vinho?

Ele, simplesmente, respondeu:

– Se não estiverem disponíveis os elementos, o celebrante pode usar frutos da região. E aqui no Ceará poderiam ser consagrados a tapioca e o suco de caju. E onde não houver sacerdotes disponíveis, em casos excepcionais, o leigo cristão pode batizar, celebrar a Eucaristia e mesmo realizar casamentos.

Nos tempos da Inquisição da Santa Fé, com certeza, ele seria condenado à morte na fogueira por heresia. Mas agora, no século XX , a condenação foi somente ao exílio da palavra.

Leonardo Boff é mundialmente conhecido e renomado doutor em Teologia e Filosofia com 120 livros publicados em vários idiomas, sendo o maior expoente da Teologia da Libertação que ele mesmo ajudou na elaboração da visão de uma Igreja que opta, preferencialmente, pelos pobres. Foi o maior incentivador e inspirador das Comunidade Eclesiais de Base que moldaram a ação pastoral da Igreja Católica brasileira nas décadas de 60, 70 e 80. Somente em 1992, ele renunciou ao sacerdócio, após duas condenações.

Assim como minha mãe, Dona Muneide, Leonardo enxerga no pobre um “Cristo abandonado” que precisa ser amado, acolhido, promovido socialmente, evangelizado, educado para uma experiência comunitária no amor e na visão da luta por justiça social.

Em outra ocasião, o fundador do Movimento Emaús no Ceará, o amigo advogado Airton Barreto, o levou para conhecer a realidade da favela na área mais carente do bairro do Pirambu. Manteve-se à distância, deixando o teólogo à vontade para interagir com as pessoas. Boff observou o sofrimento daquela gente humilde, vivendo em condições sub-humanas. Caminhou pelas vielas e becos de habitações improvisadas, feitas com sobras de materiais de construção, que dão abrigo às famílias onde o esgoto corre a céu aberto, com o mau cheiro que incomoda o olfato dos visitantes.

Tempos depois dessa visita, ele reencontrou o amigo que o guiou no fusquinha do bispo de Fortaleza (Dom Aloísio Lorscheider) até a comunidade. Foi na mesa de um bar, no celebrar de um chope, que o advogado perguntou:

– Leonardo, qual foi o momento mais tocante na sua visita ao Pirambu?

– Airton, quando você me deixou só, uma jovem mulher negra e completamente embriagada me puxou pelo braço e me levou até o compartimento íntimo de sua casinha. Levantou a saia e vi que ela estava sem roupa íntima e me disse.

– Senhor, eu só fiz amor até hoje na minha vida com homens feios, sujos e fedorentos. Transe como amigo, quero sentir o gosto da pele de um homem limpo, cheiroso e bonito dentro de mim.

– Airton, na hora eu pensei que queria ser um santo para poder proporcionar um momento de prazer na vida daquela mulher, mas, por ser um pecador, não pude.

Na minha opinião parece que o santo verdadeiro vive livre da opressão da culpa, enquanto o pecador vive atolado nos sentimentos de culpas inoculados no inconsciente pela tradição religiosa.

Leonardo Boff despiu-se, definitivamente, da batina. Tirou a roupa do altar para fazer amor com o pobre e o excluído, não o amor carnal, mas o amor do Cristo encarnado que acolhe os excluídos, esclarece, ensina, profetiza e, agora nu de dogmas, vestiu as roupas da compaixão e ergueu esperanças ao abraçar a causa dos desvalidos. Certa vez, disse:

– Se não posso falar aos cardeais, falarei entre barracos.

*Francicso J. Caminha

ex-deputado estadual e escritor.

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