Com o título “Liberdade de imprensa e dignidade humana”, eis artigo de Valmir Pontes Filho, jurista e professor universitário aposentado. Ele aborda tema dos mais interessantes.
Confira:
“Liberdade é palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” – Cecília Meireles
Seguramente indigna de elogios vem a ser a história de repressão às liberdades em nosso país, não apenas quando ainda aqui se vivia, décadas atrás, sob regime autoritário. O lamentável é que o cenário se repita agora, inclusive sob o manto de um judiciário autocrático, parcial e indigno de confiança. Ele que foi – mas não mais é – o reduto final de proteção às liberdades.
Com efeito, não basta trazer de volta à memória os tempos em que ocorriam as prisões arbitrárias, a censura explícita, sumária eliminação das eleições ou as odiosas perseguições e estigmatizações de natureza ideológica. Basta verificar como as coisas ocorrem hodiernamente: condenações de clara índole político-ideológica, soltura de foras-da-lei à conta de firulas processuais, perseguições a jornalistas independentes e corajosos, tentativas seguidas de “regulação” censória às redes sociais, pleitos eleitorais sem a comprovação impressa dos votos e por aí vai.
Sobreveio a Constituição de 1988, sem que dela se possa retirar a inicial legitimidade, alcançada por obra da intensa participação, à época, da sociedade civil em sua feitura. Da pressão legítima exercida sobre os constituintes resultou um verdadeiro pacto entre as mais diversas tendências da sociedade. Um novo se apresenta necessário.
Ora, se éramos então saídos de um regime de trevas políticas, em que as liberdades foram garroteadas, como imaginar que pudéssemos ter, após a redemocratização, uma Constituição que não fosse minuciosa, detalhista, mormente em termos de garantias de direitos individuais? Ela tinha de ser mesmo do jeito que restou então promulgada. Uma vez libertados desse passado nada glorioso em termos de estabilidade constitucional, poderemos, todavia, hoje adotar uma Constituição mais objetiva e sucinta em suas prescrições, mas dirigida à efetiva estabilidade jurídico-institucional.
Talvez até mesmo se possa pensar, hoje – diante do cruel desfiguramento a que ela restou submetida, mormente pela temerária (senão escabrosa) via interpretativa trilhada pela atual “suprema corte” – na minha opinião a pior da história da República – na convocação de uma nova Constituinte. Mas que seja ela EXCLUSIVA, é dizer, a trabalhar apenas na e para sua elaboração, dissolvendo-se empós. Ela ditaria como se formariam e atuariam, daí em diante, os órgãos governativos do Estado.
Nossa atual Constituição é pródiga na oferta de garantias aos mais diversos “tons” de liberdade. Desde a de locomoção e expressão do pensamento, a de imprensa e divulgação cultural, a de manifestação da vontade político-eleitoral, até a de escolha do tipo de escolaridade e da profissão, a de recebimento de informações dos órgãos públicos, a de usufruir de uma boa e eficiente administração, a de liberdade de crença e, enfim, a proporcionar a cada cidadão sua própria felicidade, respeitadas a felicidade e a liberdade alheias.
A liberdade, afinal, há de ser o princípio norteador da vida humana em sociedade, já que a cada um se impõe, queiram ou não os incautos ou descrentes, a lei do retorno, ou de causa e efeito. Cada um de nós está “condenado a ser livre” e, em consequência, a responder pelo uso irresponsável ou desatinado que faça dessa escolha procedimental de vida.
Assim como a “saudade é o revés de um parto”, a liberdade de imprensa é o revés do interesse das pessoas a viverem em sua egocêntrica individualidade. Jamais se deve admitir a censura, prévia ou posterior. Mas se há de exigir de todos, principalmente dos profissionais do ramo, extremo cuidado, prudência e responsabilidade quando da divulgação de fatos. A publicação de uma notícia inverídica sobre alguém pode a ela causar danos irreversíveis, tanto morais, quanto emocionais (sem falar nos materiais). A intimidade e a vida privada, aliás, são também constitucionalmente protegidas.
Numa democracia, dos órgãos governativos e das organizações privadas o que se espera é uma conduta exemplar, mesurosa à lei, à moralidade, à isonomia e, notadamente, aos interesses da coletividade. Os mais velhos se lembrarão da época em que, por força da “atual conjuntura” (apud Stanislaw Ponte Preta) e à guisa de proteger a “segurança nacional”, os mais sagrados direitos individuais foram ignorados. Já agora, sob a desculpa hipócrita de “defender a democracia”, ela está ela própria a ser transformada em pó. Discursos maniqueístas, prenhes da ideologia do mal, distanciados da verdade e até pitoresccos, são pronunciados sem um mínimo de vergonha. Conduzem eles, sim ao reino da mentira, da insegurança e das destruição dos mais básicos valores da moral cristã, do patriotismo e da família.
Estou a reescrever (*) este artigo em dado dia e hora, registrado no meu computador… mas se, amanhã, sair em manchete que estive a assaltar um banco à esta exata hora e dia, como vou desfazer tal informação? Jamais, pois o “direito de resposta” não surtirá efeito prático algum.
Não me vem à cabeça, por favor entendam, defender a censura ou a restrição à liberdade de informação. Nem “ocasionalmente”, como desejou E FEZ uma certa ministra do stf. Mas que sejamos todos, jornalistas ou não, infensos à espetacularização. Os fins não justificam os meios. Ou, noutro dizer, é melhor ser ofendido do que ofender. As publicações devem continuar livres, desde que o responsável por elas se identifique (já que é vedado o anonimato).
Noutro viés, a escandalosa manipulação das notícias para desabonar determinada figura política, com o fito de “eliminá-lo” da vida pública (quiçá da física, como já tentado), constitui algo abjeto. Sua popularidade incomoda demais a quem atualmente chegou ao poder, seja “ganhando” uma eleição ou “tomando-a” (este termo, surpreendente ou irônico, foi ditado de um integrante do “tribunal supremo”).
Um procedimento eleitoral farsesco desde o nascedouro, aliás, está a ser adotado pelo títere da Venezuela, um ditador sanguinário – cujo nome prefiro não pronunciar por questão de profilaxia bucal – que, para se manter no cargo, delirantemente alega a existência de um “golpe” contra si. Seus opositores (a líder deles foi tornada inelegível por suspeito e dominado tribunal) gozam de imenso prestígio e, segundo se divulga, obtiveram cerca de 70% dos votos, mas se encontram sob risco de encarceramento. Conhecem vocês algo assemelhado?
Nosso governo, inacreditavelmente, se queda inerte diante disto tudo, num tonitruante e deplorável silêncio. Sua política externa é de elogios e apoio aos regimes da Venezuela, Cuba, Irã, Rússia, Nicarágua e outros da mesma laia (sem falar na simpatia nefasta pelo Hamas). Precisamos estar ao lado da Argentina, Chile, Uruguai e de vários países da União Europeia, a condenar o VERDADEIRO golpe “maduriano” e não reconhecer a eleição do facínora.
Recuperemos, pois, nossas liberdades, inclusive a DE IMPRENSA, e restauremos nossa DIGNIDADE!
(*) Aquele tiver tido acesso à primeira versão deste artigo perceberá que, graças a Deus, mudei de ideia em relação a alguns assuntos. Afinal, só não muda de ideia quem não tem ideia alguma.
*Valmir Pontes Filho,
Jurista e professor universitário aposentado.
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A lucidez com que o professor e jurista Valmir Pontes Filho retrata o atual cenário vivenciado no país merece uma isenta reflexão com vistas à supressão do autoritarismo existente e o retorno da liberdade da imprensa e do exercício do Judiciário às suas competências constitucionais.