Em referência ao Agosto Lilás, mês da conscientização e enfrentamento à violência contra as mulheres, a jornalista e escritora Mirelle Costa relata diariamente, neste espaço, casos que servem de alerta a todos nós
Confira:
(O texto abaixo foi escrito por uma mulher vítima de violência doméstica, atendida na Casa da Mulher Brasileira, em Fortaleza. O texto compõe a obra “Após a Morte do Conto de Fadas, a Ressurreição”, publicada pelo Senado Federal, e organizada pela jornalista e escritora Mirelle Costa. Este texto pode conter gatilhos emocionais que podem afetar algumas pessoas).
Às vezes, a dor na alma é como vestir várias camadas de personagens. É um jogo de esconde-esconde, com emoções que vêm e vão, mas nunca realmente desaparecem. Cada camada adicionada é uma tentativa desesperada de evitar o confronto com o que realmente sentimos, até que o peso se torna insuportável. Carregamos essas vestes pesadas, disfarçadas até mesmo de nós mesmos, mas não podemos nos enganar para sempre.
A dor se acumula, distorcendo nossa essência até nos sentirmos desfigurados, irreconhecíveis até para nós mesmos, então, lentamente, começamos a despir essas camadas, uma por uma. Não é um ato de destruição, mas uma cena de cura. É um processo meticuloso de limpeza, em que cada peça removida revela um pouco mais de nós mesmos, requer clareza, compaixão e gentileza com você mesma para soltar, sem sufocar, a esperança de um dia sermos leves, livres. À medida que desembrulhamos nossas feridas, aprendemos a lidar com o passado sem que ele nos machuque, sem nos fazer sangrar, sem nos anularmos. É um caminho de autoaceitação e perdão, em que as cicatrizes se transformam em histórias de superação e crescimento. Ao final, descobrimos que a verdadeira liberdade não está em escapar da dor, mas em abraçar nossa humanidade completa. É quando nos permitimos curar e sentir que nos tornamos mais capazes de viver plenamente com o coração leve e a mente clara.
Só quem sabe o que existe no passado sou eu e Deus. Ando tão dis- traída por dentro, carregando um peso que ninguém vê. A cada dia luto para encontrar forças para continuar, mas, às vezes, parece que tudo o que me mantém de pé é a fé e a esperança de que dias melhores virão.
Enquanto caminho com esse sentimento de incerteza, procuro lembrar que não estou completamente sozinha, Deus está comigo. Mesmo quando não consigo sentir Sua presença, Ele vê minhas lágrimas, ouve meus gritos silenciosos e entende a profundidade da minha dor. É essa certeza que me dá coragem para enfrentar mais um dia, na esperança de que a luz voltará a brilhar em minha vida.
O sofrimento, que antes parecia interminável, agora é visto como uma fase que me prepara para algo maior. Hoje olho para trás e vejo não apenas dores, mas também crescimento e transformação. Agradeço a Deus por nunca ter me abandonado.
Você tem noção de como é viver não desejando mais viver? Você tem noção do que é você se perder de você mesma e não conseguir se reencontrar? Você pode tentar de tudo. Pode lutar por tudo. Pode tentar o quanto quiser, mas você não consegue recuperar aquela alegria que você sentia no passado.
Lembra aquela pessoa que você era e que sorria, brincava e para onde chamavam você ia? Você era aquele tipo de pessoa que era “pau para toda obra”. Sempre estava disposta a tudo. Só que, hoje, ficou sozinha. Sabe aquela solidão? Te consumiu, te engoliu por dentro.
Você só quer ficar sozinha dentro de casa e, se pudesse, não iria trabalhar, porque aquela sensação de ficar sozinha está te servindo muito bem e, quanto mais eu vivo nessa solidão, mais pedaços de mim eu vou perdendo, até chegar a um ponto que eu me perco por completa.
Para complicar mais ainda, algumas pessoas entraram na minha vida e acabaram levando mais pedaços de mim.
Pare com isso! Quem fechou a porta para você não te maltratou, te fez um favor! Quem escolheu sair da mesa te fez um favor. Quem escolheu te deixar fez um favor.
Tem gente brigando para sentar em mesas nas quais as pessoas não suportariam a sua presença. Pare de estar onde você é apenas suportável, tolerado e comece a frequentar lugares onde você é celebrado.
Cerque-se de pessoas que te entendam, que amem o seu valor. Bus- que pessoas que celebrem a Vitória que Deus tem te dado. Quer um conselho? Desapareça por um tempo. Faça um “truque de magia” e suma do mapa.
Ajeite esse seu psicológico caótico, trabalhe em silêncio, como se tivesse formando um grande plano. Afaste-se desses prazeres efêmeros, que só servem para distrair a mente brilhante que você tem.
Esqueça essa necessidade de validação e a opinião dos outros. Quem liga para eles, não é? Perca quem você precisar perder como cartas velhas do baralho e, acima de tudo, encante-se novamente como um bom detetive na sua própria investigação.
Aquele que vivencia a dor conhece sua magnitude verdadeira. Os demais podem tentar compreender, mas nunca alcançarão plenamente. Se souber de alguém que está enfrentando dificuldade, ofereça apoio, estenda a mão, escute e dê atenção. Às vezes, só é necessário um abraço ou uma ligação. 180.
Como uma fênix
(Diante de qualquer situação de violência doméstica, ligue 180, é a Central de Atendimento à Mulher, um serviço telefônico do governo federal que oferece acolhimento, orientação e informações sobre os direitos das mulheres, além de receber denúncias de violência contra a mulher)
Mirelle Costa e Silva é jornalista, mestre em gestão de negócios e escritora. Atualmente é estrategista na área de comunicação e marketing