Com o título ‘Luto”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel da reserva da PMCe e mestre em Planejamento de Políticas Públicas. “Aprendi, nesse luto, que todo relacionamento humano termina com dor. Esse é o preço do pecado, a extorsão de Satanás pelo privilégio do amor. É o nosso Getsêmani. Como se Deus se ausentasse para que sentíssemos um pouco daquilo que Seu Filho suportou na cruz”, expõe um filho enlutado.
Confira:
Foi na sexta-feira, dia 19 de setembro, que meu pai descansou. A partir desse momento nasceu em mim um sentimento que nunca havia experimentado antes. Um vazio, algo parecido a despencar de uma grande altura, tentando se segurar em alguma coisa, buscando sustento, mas encontrando apenas o vazio de todos os lados, tendo como única certeza o impacto final. E o impacto chegou: o corpo inerte, frio e apático, deitado em um caixão estreito, o leito derradeiro.
Ao meu lado, outras pessoas pranteavam comigo. O respeito e o carinho se manifestavam de várias maneiras: em um abraço afetuoso, em um aperto de mão respeitoso, no encontro de olhares solidários, em palavras de conforto. Mas o luto é íntimo, pessoal, e carrega uma dor difícil de explicar de onde surge ou como se alivia.
Existem diferentes modalidades de dor. No caso do meu pai, que já estava em estado terminal na UTI, pedimos aos médicos que aliviassem a dor física. Mas quando falo de luto, não me refiro à dor que a morfina e outros anestésicos podem suspender. Refiro-me à dor como sentimento. Essa que, paradoxalmente, é proporcional ao amor. Quanto maior o amor, maior a dor. Aprendi, nesse luto, que o avesso do amor não é o ódio; o ódio é ausência de amor. A dor da perda, sim, é o excesso de amor.
Olhando para minha mãe, mesmo percebendo seu semblante contristado, manteve-se serena. Creio que compreendia algo profundo: quando duas pessoas se casam, uma sempre terá de enfrentar a dor de perder a outra. Coube a ela viver esse momento. Recordo-me do ensinamento de C. S. Lewis: “A perda não é a mutilação do amor conjugal, mas uma de suas fases regulares, como a lua de mel.”
E como é forte o amor! Constatei isso quando entramos na UTI: eu, minha mãe e uma tia. Antes, a médica nos alertou que o corpo de meu pai já não tinha qualquer sensibilidade e não poderia mais realizar movimentos. Cientes disso, entramos naquela fria sala, onde os leitos eram ocupados por moribundos. Minha mãe se colocou à esquerda de meu pai e começou a conversar com ele.
Acariciando-lhe o rosto, repetiu a promessa feita no altar. Então, para a surpresa dos profissionais de saúde, ele iniciou um movimento com imenso esforço. Talvez o maior de sua vida e certamente o último: ergueu os braços até conseguir repousar sua mão sobre a da sua amada. Vi naquele gesto a mais pura homogeneidade espiritual do amor, fundido na decisão de duas vidas que escolheram caminhar juntas.
Aprendi, nesse luto, que todo relacionamento humano termina com dor. Esse é o preço do pecado, a extorsão de Satanás pelo privilégio do amor. É o nosso Getsêmani. Como se Deus se ausentasse para que sentíssemos um pouco daquilo que Seu Filho suportou na cruz.
Não sei exatamente o que acontece após a morte. Como cristão, creio na eternidade com Cristo. Mas sei que ainda tenho muito a aprender. Também aprendi recentemente com Lewis que “é difícil ter paciência com pessoas que dizem: ‘A morte não existe’ ou: ‘A morte não importa’. A morte existe. E tudo que existe importa. Tudo que acontece tem consequências, e tanto um como o outro são irrevogáveis e irreversíveis.”
Apesar da dor que o luto traz, ele também revela a grandeza do amor que vivemos. Cada lágrima é a prova de que tivemos o privilégio de compartilhar a vida com quem tanto significou. Que essa ausência não seja apenas um vazio, mas um convite a continuar honrando a memória de quem partiu.
*Plauto de Lima
Um filho enlutado.
Ver comentários (8)
Parabéns pela simples e profunda reflexão amigo Plauto. Gratidão ao nobre jornalista Eliomar pelo espaço para a divulgação desta alentadora reflexão. Paz e vida, mesmo antes ou depois da morte.
Querido Armandoi Bispo, o Blogdoeliomars esta abverto a seus astigos. Plauto sabe o endereço.
Que texto espetacular! Notório que a escrita foi feita com o coração! Parabéns Plauto de Lima!
Que texto lindo e emocionante! Sentimos em cada palavra o amor, a gratidão e a profundidade de tudo que você viveu. Uma homenagem delicada, que honra não só a memória do seu pai, mas também a pessoa que você é. Parabéns pela escrita e por transformar dor em algo tão inspirador!
Texto muito pessoal. Expõe intensa sensibilidade; dor profunda gerada por perda de pessoa a quem se ama, de forma diferenciada. Também expõe interessante equilíbrio entre emoção e razão. O Senhor lhe dê paz, amigo Plauto.
Parabéns pela reflexão, Plauto. Que gesto grandioso esse de sua mãe, prova que o amor sempre vence. No momento desses é sempre bom lembrar que: "Cristo Jesus vive para sempre e tem as chaves da morte e do inferno." Ap 1:18.
Que texto emocionante!
Que nos leva a uma profunda reflexão. obrigada amigo! Porque mesmo na dor da perda, você se preocupa em contribuir com palavras que edificam e nos faz ver o quanto o amor, principalmente o de Deus, nos faz superar a dor.
PLAUTO, boa tarde.
Você expressou com tanta honestidade, clareza e perfeição seu sentimento e descreveu tão bem o vazio que a separação definitiva nos causa que meus olhos marejaram e a voz embargou.
Que o Eterno receba o espírito do seu grande pai no local celestial e que preencha os espaços vazios com amor, consolo a você, sua mãezinha e seus irmãos.