“Mentimos nós por mentirmos sobre as mentiras que usamos com extrema discrição”, aponta o cientista político Paulo Elpídio de Menezes Neto
Confira:
Vai ver estou me metendo em terreno de especialistas. Se estiver, que a minha amiga Bia Jucá me salve a tempo e poupe-me das chamas da fogueira dos vigilantes da alma.
Minha abordagem das funções da mentira, que farri aqui, está longe de ser levada a sério.
Propus-me a analisar a importância da mentira da sociedade brasileira. Não conhecido, aliás, o potencial da mentira em outras etnias. Se esse bem de forte conteudo metafórico não fosse um bom negócio, não seria tão usado na política, nas artes da governabilidade, no métier da guerra e nas prostrações da fé.
Emília, criação imortal de Monteiro Lobato e de tia Natácia, ambas sob a mira dos fiscais da discriminação idiota que sobrevive no Brasil, dizia que “se a mentira é para o bem, viva a mentira!”
Mentem os ficcionistas, os pais na recreação de histórias de dormir recitadas ao ouvido das suas crianças. João Ubaldo, indagado por um fiscal alfandegário sobre a sua profissão, respondeu na lata: “Mentiroso!”
Mentem os estatísticos do governo para tranquilizar o povão dos seus impulsos revolucionários. Mentem os governantes, que sobre a verdade, melhor fazem por esquecê-las. Mentem os mais afoitos do mercado lojista sobre as “black friday fraud” para apresarem os seus clientes.
Muitos mentem nas suas declarações de renda. Os políticos, se falarem a verdade, ferirão acordos e combinações e causarão enorme constrangimento a alguns dos seus eleitores. A alguns.
Algumas autoridades escapolem da realidade (são via de regra mentirosos funcionais) para não abalarem o mercado e porem em risco as reservas do Banco Central…
Mentem a militância radical, os Pinóquios de direita e de esquerda, os oportunistas de centro e pastores eleitorais.
Mente a mídia, no afã de reconstituir a verdade, segundo recomendações na medida justa do esquadro dos arranjos com os patrocinadores, os que formulam as ideias e a opinião que encherão de certezas ou leitores e a audiência da web e da tevê.
Mentimos nós por mentirmos sobre as mentiras que usamos com extrema discrição. Mentem as ardilosas criaturas que anseiam por trocar o desconforto da oposição pelas recompensas da intimidade dos poderes do Estado e dos governantes.
Em suma, somos mentirosos por livre eleição, uns; por comodidade e oportunismo; outros, pelo medo e o temor de uma amarga e incomoda rejeição.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC