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“Messi, Milei e o pacto da branquitude argentina para apagar os negros da história do país”

Ricardo Nêggo Tom é músico e jornalista

“Para o bem do futebol e da civilização, a seleção argentina deveria ser suspensa por um período de competições oficiais”, aponta o jornalista Ricardo Nêggo Tom. Confira:

Os haters da “esquerda operária” ficarão chateados comigo, mas um de seus ídolos será questionado nesse artigo. Porém, antes de chegar a parte que toca a Messi, é preciso contextualizar o papo lembrando dos antecedentes históricos de uma Argentina marcada pelo extermínio da população preta que habitava o país. Extermínio que se deu durante as guerras da independência, quando os africanos escravizados eram colocados na linha de frente das batalhas para morrerem primeiro. Os chamados “buchas de canhão”, seres dispensáveis na avaliação do governo e dos comandantes militares em meio aos ataques inimigos. Aqueles que não morreram como “heróis” foram abandonados à própria sorte, após a Constituição de 1853 e a abolição da escravatura no mesmo ano.

Esquecidos propositalmente pelo governo, restou a eles se abrigarem nos guetos e favelas do país, onde a carência de saneamento básico, a falta de emprego e a alimentação precária os deixava expostos a inúmeras doenças que resultaram em mortes. Um roteiro bem parecido com a história do Brasil. A diferença está na cordialidade do nosso racismo de cada dia. Um substantivo feminino que os argentinos não fazem a menor questão de utilizar quando se referem aos pretos. O futebol é uma prova clara do que eu estou falando. O cântico racista e transfóbico entoado pelos jogadores argentinos após a conquista da Copa América, é apenas plus no histórico de ofensas, injúrias e crimes raciais cometidos por eles contra jogadores pretos. E o que mais me intriga, é o fato de que em todas essas oportunidades, nenhum jogador argentino se manifestou condenando tais agressões raciais. Nem mesmo o saudoso e esquerdista Diego Maradona.

Javier Milei, o atual presidente da república institucionalmente racista (assim como a brasileira), se posicionou favorável à manifestação abjeta dos jogadores da seleção de seu país. Segundo o médium audiente que se aconselha com o seu cachorro falecido, “nenhum governo pode dizer o que comentar, o que pensar ou o que fazer à Seleção Argentina”. Uma resposta ao subsecretário de esportes do país, Julio Garro, que cobrou uma retratação por parte dos jogadores argentinos. Garro foi demitido do cargo por Javier Milei, por tentar romper com a tradição racista do futebol argentino. Ainda mais grave foram as declarações da senhora vice-presidente, Victória Villarruel, que disse que “nenhum país colonialista vai nos intimidar por uma canção de campo ou por dizermos verdades que não querem admitir. Parem de fingir indignação, hipócritas.”

As verdades às quais quis se referir a advogada ultraconservadora e herdeira da sanguinária ditadura militar que assolou o país por décadas, é que os pretos são mesmo inferiores e que seria hipocrisia defendê-los contra o racismo dos europeus. Incluindo a federação francesa de futebol que acionou a Fifa exigindo providências sobre o caso. Villarruel está alinhada com o pacto da branquitude argentina que convencionou negar a existência de negros na história do país. Tanto, que de todas as seleções de futebol da América do Sul, a Argentina é a única que não tem jogadores negros em seu elenco nas últimas três décadas. Os dois jogadores considerados negros que consegui encontrar depois de árdua pesquisa, que vestiram a camisa da Argentina em toda a história da seleção, são Héctor Baley, goleiro reserva na copa de 1978, e Héctor Enrique, atacante reserva na copa de 1986. No Brasil, os dois seriam considerados pardo e indígena, respectivamente.

E Messi, hein? O que teria a dizer aquele que é considerado por muitos (os quais eu não me incluo) o maior astro do futebol mundial dos últimos? Aliás, o que Messi já falou de relevante como cidadão em toda a sua carreira futebolística? Alguém se lembra? Talvez, nada. E assim continuará nesse caso. Mas acredito que deveríamos questionar a divindade e cobrar dele um posicionamento a respeito de mais essa manifestação racista de seus companheiros. Afinal, estamos falando de uma baita representatividade do mundo do futebol. Um mundo, por vezes, à parte da realidade das bilhões de pessoas que adoram o esporte e o tem como uma grande paixão. Por que Messi nunca se posicionou contra o racismo? Cobrávamos de Pelé e cobramos de Neymar uma conduta social exemplar, mas deixamos sempre um pano limpo e seco para passar no chão que o argentino, se não suja, permite que outros o façam ao seu lado. Messi está acima do bem e do mal? Ou será que a sua branquitude intimida a muitos?

Se Messi fizesse o que Neymar faz fora dos gramados, talvez estivéssemos cobrando um posicionamento social mais engajado de sua parte. No entanto, ele se comporta bem, não promove festinhas regadas a modelos e champanhe de luxo, não quer ser superstar, não apoia presidente fascista e racista….ou apoia? Debochar da escravização de seres humanos, do processo de imigração ao qual eles precisam se submeter para tentar sobreviver com alguma dignidade e inferiorizar suas origens étnicas, está longe de ser apenas uma “canção de campo” ou uma provocação ao adversário. Do mesmo modo, tentar ridicularizar um homem por ele se relacionar com uma mulher trans, não deve ser mais aceitável em nossa sociedade. Até porque, muitos homens o fazem às escondidas, no sigilo, sem a coragem que Mbappe teve de assumir o seu relacionamento. Que façam da maneira que julgarem melhor para si, mas não destilem transfobia e hipocrisia disfarçadas de zoeira.

Me gritaram: “identitário”, os operários de condomínio da esquerda revolucionária que acreditam que a pauta racial destrói a luta de classes, ignorando a interseccionalidade dos fatos. Dá zero para eles, professor Girafales. Porque Marx e Engels, talvez, também me dessem zero. Principalmente, se eu questionasse o que o velho e bom Karl quis dizer quando me pareceu satirizar os mexicanos questionando se “é um golpe de azar que a magnífica Califórnia tenha sido tomada (pelos americanos) dos preguiçosos mexicanos que não sabiam o que fazer com isso? ” Também gostaria de entender melhor o que Engels quis dizer quando escreveu que “entre nós os axiomas matemáticos parecem evidentes para toda criança de oito anos, e não precisam ser comprovados pela experiência, são apenas o resultado de herança acumulada. Mas seria difícil ensiná-los para um sul-africano ou um aborígene australiano. ”  Mexicanos preguiçosos, africanos pouco inteligentes, indígenas indolentes…Trump, Bolsonaro e Milei concordaram com essas afirmações. Freud e o pacto da branquitude explicam. 

Para o bem do futebol e da civilização, a seleção argentina deveria ser suspensa por um período de competições oficiais, caso o governo do país mantenha a posição de endossar o racismo e a transfobia cometidos pelos jogadores. Incluindo, o alienado Lionel Messi, que precisa entender o tamanho da estatura que atingiu dentro da sociedade e aprender a se posicionar socialmente em questões como estas. Mas, infelizmente, não parece ser do perfil de jogadores argentinos se engajarem no combate ao racismo. Os cinco companheiros franceses (todos negros) de Enzo Fernandes, o jogador que gravou o fatídico vídeo no ônibus da delegação, aguardam ansiosamente o seu retorno ao Chelsea para que ele dê mais explicações sobre o ocorrido. Entre eles, o zagueiro francês Wesley Fofana, que criticou os argentinos nas redes sociais. Mais uma bola fora do futebol argentino, conhecido por reduzir jogadores brasileiros a “macaquitos”. Gritam-lhes: “hermanos”, eu não.

Ricardo Nêggo Tom é músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas “Um Tom de resistência”, “30 Minutos” e “22 Horas”, na TV 247, e colunista do Brasil 247

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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