“Declarações foram dadas em conferência conservadora realizada em Balneário Camboriú-SC, dias após Bolsonaro ter sido indiciado pela PF”, aponta a jornalista Marcia Carmo. Confira:
O presidente da Argentina, Javier Milei, disse, neste domingo, que o ex-presidente Jair Bolsonaro é vítima da Justiça. “Um perseguido judicial”, afirmou Milei. “Olhem a perseguição judicial que nosso amigo Jair Bolsonaro está sofrendo no Brasil”, disse. As declarações do argentino de extrema-direita foram realizadas na Conferência Política da Ação Conservadora (CPAC), no Balneário Camboriú, no estado de Santa Catarina, três dias após Bolsonaro ter sido indiciado pela Polícia Federal no inquérito que investiga um esquema ilegal de joias dadas por delegações estrangeiras à Presidência da República. O ex-presidente foi indiciado por organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (apropriação de bem público), como foi publicado na imprensa brasileira e internacional.
A presença de Milei no evento em Camboriú aumentou a tensão para níveis inéditos na relação bilateral. Na sexta-feira, fontes do Itamaraty disseram ao Brasil 247 que não se descartava convocar o embaixador do Brasil na Argentina, Julio Bitelli, num sinal de insatisfação, dependendo do tom das palavras de Milei. A reação poderia incluir até a retirada do embaixador do Brasil, disseram.“Não podemos agir como se nada estivesse acontecendo. Um presidente falar mal do nosso Chefe de Estado no território brasileiro será inadmissível”, disseram as fontes, sob a condição do anonimato.
No discurso de dez páginas, Milei não citou o nome do presidente Lula. A imprensa argentina publicou, no início da noite deste domingo, manchete em seus portais indicando que esta frase seria um recado ao Chefe de Estado brasileiro. “Se vocês têm alguma dúvida (do que ele entende serem os males do socialismo), observem como vivem as famílias destes líderes do socialismo do Século XXI. Vejam como vive a família de Maduro (da Venezuela), vejam como vivem os filhos de alguns de seu próprio país. São todos multimilionários que vivem como se tivessem fundado o Google”. Logo depois, esta frase foi associada pela imprensa argentina, especificamente ao presidente da Venezuela e líderes da esquerda em geral, sem associação direta ao presidente Lula. E a frase mais interpretada como crítica ao presidente do Brasil foi a de Milei condenando o Foro de São Paulo, já que ele surgiu a partir da iniciativa do PT.Neste domingo, voltamos a consultar fontes do Itamaraty. Uma delas disse que o discurso foi “mais ameno do que se esperava”. A outra, porém, avaliou que o nível de tensão não diminuiu e a situação bilateral continuará sendo “estudada”.
Em seu longo discurso em Camboriú, Milei voltou a criticar o socialismo, a esquerda em geral e o Fórum de São Paulo, enfatizando sua rejeição aos governos progressistas da América Latina. Milei tem demostrado desprezo pela integração regional. Ele não comparecerá à reunião dos presidentes do Mercosul, nesta segunda-feira, em Assunção, no Paraguai. O Brasil é o primeiro país da América do Sul que ele visita após quase sete meses de governo, mas, neste caso, não para visitar o presidente eleito através das urnas e sim seu par ideológico, o ex-presidente Bolsonaro. O Brasil é o principal sócio comercial da Argentina e a Argentina o principal destino das exportações industriais brasileiras. A opção de Milei por Bolsonaro levou políticos argentinos de peso no país a declararem que a Argentina pode acabar sendo prejudicada em seus resultados reais. O governador de Córdoba, Martín Llayora, disse que teme que o setor automotivo seja afetado – a província tem forte relação com este setor no Brasil. E este é um dos pilares do setor comercial e econômico entre os dois países. A ex-deputada federal Elisa Carrió, admiradora de Lula, disse que Milei está “ameaçando a paz” da região, ao criticar o presidente do Brasil.
Marcia Carmo é jornalista e correspondente do Brasil 247 na Argentina. Mestra em Estudos Latino-Americanos (Unsam, de Buenos Aires), autora do livro ‘América do Sul’ (editora DBA)