Com o título “Minha rua tem um nome”, eis artigo de Mário Mamede, médico e ex-deputado estadual. “É triste e revoltante o desrespeito à memória de uma cidade, de um povo. É vergonhoso que, por oportunismo, bajulação ou subserviência, alguns homenageiem falsos líderes e pessoas que nada representam para a cidade e nossos cidadãos e cidadãs sequer sabem quem são”, expõe o articulista.
Confira:
“O que dá pra rir dá pra chorar, questão só de peso e de medida, questão só de hora e lugar.” Lembrei muito desse maravilhoso samba do Billy Blanco, quando li uma notícia no O Povo informando que a rua batizada pelos que ali residem de Rua das Oiticicas, no bairro Passaré , passará a se chamar de “Mastruz com Leite”. A iniciativa do projeto de lei é do então vereador Pedro Matos, aprovado pela Câmara Municipal de Fortaleza.
Primeiro, qual o sentido de homenagear uma banda de forró que, apesar de ter, conforme a matéria, sua sede naquele bairro. Desconheço que tenha promovido iniciativas em prol de benefícios e melhorias da qualidade de vida daquela gente nem participado de suas mobilizações e lutas buscando conseguir melhorias para o bairro.Nada contra a banda em si nem com estilo de música que ela promove e divulga , mas desconheço fatos relevantes que justifiquem a homenagem.
As nominações de grande número de ruas em Fortaleza vêm sendo feitas, muitas vezes , motivadas por posturas de bajulação e mesmo subserviência, sem que as pessoas residentes históricos desses logradouros, tenham oportunidade de manifestar qualquer opinião. E isso não é de hoje….
Temos “homenagens” de todo tipo, nominação a filhos de políticos e empresários que faleceram em idade precoce e, por isso sem qualquer registro histórico sobre elas próprias e sem referências biográficas de relevo.
Em total desrespeito à lei, temos, inclusive, no bairro Curió, a rua Moroni Big Torgan. Além da afronta à legislação que proíbe a nominação de ruas, praças e equipamentos públicos homenageando pessoas vivas , quais os benefícios que este senhor fez ao Curió, à Fortaleza ou ao nosso Estado?
Se tivéssemos respeito à nossa memória histórica, arquitetônica e afetiva da cidade e com o nosso povo, penso que teria sido bem melhor a manutenção das denominações originais das travessas, becos, rua e logradouros, como por exemplo – rua Formosa, rua das Flores , rua do Comércio, rua das Trincheiras , Beco dos Pocinhos, rua do Sol. E, sem saudosismo exagerado, lamento também que nossos bairros tenham perdido os seus registros de batismo conferidos pelo povo e pela história povo e também tenham seus nomes mudados com frequência. Quem ainda se lembra do Alagadiço, Barro Vermelho, Cocorote, Pici?
Só tenho elogios para os pernambucanos, que numa postura de grande respeito cultural ao povo e à memoria da cidade, guardam com carinho os nomes dos espaços que registram a história daquela localidade. Ao se caminhar pela cidade, lá estão placas identificando a rua dos Ossos, do Giz, do Hospício, do Comércio, que continuam nos mesmos lugares.
Mesmos os becos e travessas com nomes jogosos em alusão à molecagem e ao humor nordestino estão identificadas: o Beco dos Veados, a Travessa das Putas, rua do Arrocho , beco do Quebra Bunda e até mesmo a Rua da Bosta, por onde passavam os escravos apelidados de Tigres ( mas isso já é outra história ) conduzindo grande vasilhames para despejarem os dejetos no mar .
Esse zelo é tão grande que, se por um motivo relevante o nome de uma rua é modificado para uma homenagem relevante a uma personalidade ou para um registro histórico relevante, são colocadas placas do Instituto Histórico do Recife com referência a nominação original do logradouro.
O mesmo cuidado com a memória das nominações das ruas observamos em São Luís, a bela capital do Maranhão. Esse respeito a essa preocupação com a autoestima de um povo. É tão importante, que o atual ministro do STF, Flávio Dino, quando eleito governador do Maranhão, assinou, em seus primeiros atos, um decreto retirando a nominação em homenagem a familiares de José Sarney, que estão vivos, de todos os equipamentos públicos e, um outro decreto retirando os nomes de todos os envolvidos com a ditadura militar que tantos males causou ao Brasil.
Mas em Fortaleza, as referências a ditadores e torturadores continuam presentes e espalhadas por toda a cidade, inclusive em instituições de educação.
É triste e revoltante o desrespeito à memória de uma cidade, de um povo. É vergonhoso que, por oportunismo, bajulação ou subserviência, alguns homenageiem falsos líderes e pessoas que nada representam para a cidade e nossos cidadãos e cidadãs sequer sabem quem são. Mas se for para partir para a avacalhação eu posso sugerir uma porção de nomes de bandas e conjuntos musicais seguindo o exemplo do vereador.
*Mario Mamede
Médico e ex-deputado estadual.