Com o título “Mulher troféu”, eis artigo de Suzete Nocrato, jornalista e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará. “Embora guarde a certeza de que a vida presta (parafraseando a grande Fernanda Torres), tenho a impressão de que o mundo perdeu as estribeiras, onde a liberdade e a ética adoecem, enquanto a servidão, em troca de futilidades e por indolência, é celebrada”, expõe a articulista.
Confira:
As redes sociais parecem terra arrasada, onde todos mandam e ninguém cuida. Ali, vozes se erguem sem pudor, escondidas pelo anonimato, para atacar reputações, propagar fake news, se apropriar e promover tantas outras práticas destrutivas, sempre em nome da liberdade de expressão. É um espaço em que nos acostumamos com opiniões que causam repulsa, falas que exigem quase um malabarismo de inteligência para compreender tamanho delírio, e outras que só nos resta paciência.
Como não fosse suficiente, uma nova tendência surgiu nesse ambiente distópico: mulheres jovens se apresentam nas redes, sobretudo no Instagram e Tik Tok, com o título de mulher-troféu. Elas, com aparente vitória, se orgulham de não precisarem trabalhar e de serem mantidas pelo marido, namorado ou companheiro.
Digo “aparente”, porque por trás dessa áurea de triunfo se esconde uma realidade menos glamourosa. A grande maioria abandona os sonhos, as careiras profissionais e os desejos mais íntimos para ficar à disposição de seus provedores 24 horas por dia, sempre com um sorriso no rosto e o corpo perfumado, como se fossem parte de um ritual de encantamento.
Em troca, elas têm a academia paga, o salão de beleza garantido, tratamentos estéticos de prevenção ao envelhecimento e um cartão de crédito limitado. Vivem em um universo paralelo, onde se deixam envolver pela sensação de beleza e poder de atração. No entanto, são meros adornos exibidos por homens que precisam reafirmar sua masculinidade.
Para além da gravidade do fato, há ainda as que adoecem por não terem sido escolhidas como troféus, pasmem. Elas se culpam por se sustentarem com o suor do próprio trabalho e por suas próprias conquistas, como se a independência fosse um fracasso.
Para mim, essa objetificação feminina causa não apenas perplexidade, mas provoca indignação. Minha geração e outras que nos antecederam foram forjadas na luta por respeito e equidade de direito. Estudamos, nos profissionalizamos, conquistamos espaço e disputamos, em igualdade, as mesmas posições que os homens. Construímos laços de respeito e camaradagem com nossos companheiros, educamos os filhos em comum acordo, partilhamos vitórias e traçamos juntos os caminhos da vida. Ainda assim, a escolha do caminhar foi livre e autônoma. Somos plenas: profissionais, mães, mulheres, indivíduos inteiros — de direito e de fato.
Ver agora um retrocesso que reduz mulheres a enfeites de luxo, em vez de protagonistas — por escolha delas — é um atentado histórico contra tudo o que as gerações passadas conquistaram. Embora guarde a certeza de que a vida presta (parafraseando a grande Fernanda Torres), tenho a impressão de que o mundo perdeu as estribeiras, onde a liberdade e a ética adoecem, enquanto a servidão, em troca de futilidades e por indolência, é celebrada.
*Suzete Nocrato,
Jornalista e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará.