Com o título “Mulheres em situação de rua usam sujeira para se proteger do estupro e da violência”, eis artigo de Haroldo Barbosa, jornalista. “A violência contra mulheres atinge todas as classes sociais. Mas quem é criança, pobre, negra, indígena ou está em situação de rua, sofre bem mais”, expõe o articulista.
Confira:
O Brasil, como o restante das Américas, teve em seu passado mulheres indígenas e negras caçadas a laço e a dente de cachorro, para servirem aos homens no trabalho na cama. Essa herança colonial, impregnada de machismo, racismo e patriarcalismo, continua viva. E matando.
Recentemente a jornalista Beatriz Jucá escreveu artigo intitulado “No país que santifica meninas estupradas, não estamos seguras nem no elevador”. Ela fala do caso da menina Benigna, estuprada e morta e “que a igreja conta ter dado a vida e virado mártir para proteger sua honra e manter-se casta. Uma vítima de estupro, perseguida por um conhecido da escola e assassinada cruelmente virou símbolo da castidade. Mas Benigna não teve escolha nem decidiu morrer”. O artigo trata ainda de duas mulheres, uma jovem e uma idosa, recentemente apalpadas em elevadores.
Em 2023, o Brasil registrou um crime estupro a cada seis minutos. Os dados são do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. “Com um total de 83.988 casos de estupros e estupros de vulneráveis registrados e um aumento de 6,5% em relação a 2022 o país atingiu um triste recorde. As mulheres são a maioria das vítimas e os agressores estão, na maior parte das vezes, dentro de casa.” Ou seja, as mulheres não estão seguras nem em casa e nem na rua.
E isso independente de classe social. É emblemático o caso de Jullyene Lins, ex-mulher do presidente da Câmara, que o denuncia por violência e cuja matéria da Agência Pública foi censurada, censura estendida a outros veículos que posteriormente noticiaram o caso.
Também recententemente o Intercept Brasil denunciou o caso de uma menina de 13 anos, obrigada pela Judiciário a manter uma gravidez por estupro. Conforme denúncias, o pai da garota fez “um acordo” com o estuprador e, com a ajuda de um grupo antiaborto (advogado, padre, freira…) entrou na justiça para impedir ou retardar o aborto da própria filha. “O caso mostra que, mesmo com a derrota do PL do Estupro, prevalece o direito do feto sobre o de uma menina estuprada – além de evidenciar a influência da direita religiosa sobre o judiciário”. O PL antiaborto, parido pela extrema direita e endossado pela bancada evangélica, previa que caso houvesse a interrupção de uma gestação de mais de 22 semanas, a mulher poderia pegar pena de até 20 anos, em alguns casos mais que o dobro da pena do estuprador, que pode ser de 8 anos. Artur Lira já sinalizou que pretende trazer de volta a pauta esse PL logo após as eleições municipais.
Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, “de todas as ocorrências de estupro verificadas em 2023, 76% correspondem ao crime de estupro de vulnerável, tipificado na legislação brasileira como a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir por qualquer motivo, como deficiência ou enfermidade.”
Semana passada, conversando com um educador social que atua em um equipamento cultural, em Fortaleza, e no entorno do qual há uma praça com várias pessoas em situação de rua, ele me chamou a atenção para um fato: muitas das mulheres em situação de rua, sejam cis ou trans, andam com as roupas sujas de fezes, urina, mestruação…Segundo ele, não é por desleixo. O uso da sujeira é uma estratégia delas para se proteger do assédio e da violência sexual. A violência contra mulheres atinge todas as classes sociais. Mas quem é criança, pobre, negra, indígena ou está em situação de rua, sofre bem mais.
*Haroldo Barbosa
Jornalista.