“Na Chapada do Araripe, Agro tenta passar a boiada em uma área de proteção ambiental” – Por Rosa Amorim

Rosa Amorim é deputada estadual em Pernambuco

“Riqueza da Chapada do Araripe se encontra ameaçada”, aponta a deputada pernambucana Rosa Amorim

Confira:

Na divisa entre os estados de Pernambuco, Ceará e Piauí, a Chapada do Araripe é mais do que um cartão-postal do sertão nordestino. A nossa chapada é um verdadeiro patrimônio vivo, que abriga biodiversidade, história e tradições que moldam a identidade de toda uma região. São mais de um milhão de hectares que abrigam sítios arqueológicos, mais de 20 unidades de conservação, mais de 500 espécies de flora e 480 de fauna nativas, além de ter uma simbiose dos biomas Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.

Acontece que toda essa riqueza se encontra ameaçada. Apesar de ser uma Área de Proteção Ambiental (APA) desde 1997, a região do Araripe vem vivendo o avanço de um modelo extremamente predatório, marcado pela expansão da monocultura do milho, da soja e de pastagem para gado, tudo isso aliado ao uso intensivo de agrotóxicos, que ameaça não apenas a biodiversidade, mas a saúde da população e a própria cultura local.

Como uma área tão singular, que deveria estar protegida desde a década de 1990, está sendo devastada de forma tão absurda? Arrisco dizer que essa omissão do poder público tem raízes muito antigas. Ela se baseia numa visão retrógrada sobre o Nordeste e Caatinga que coloca que a nossa mata é de menor valor em comparação com os demais biomas. Quando falamos em meio ambiente no Brasil, as imagens que vêm a nossa cabeça geralmente são a da Amazônia e da Mata Atlântica, e não de um bioma exclusivamente brasileiro, como a Caatinga, porque ela, assim como o Semiárido, sempre foi vista como infértil.

Essa narrativa criada há tanto tempo e praticamente enraizada no imaginário das pessoas não se comprova verdadeira. Temos o Semiárido mais chuvoso do mundo, que é referência mundial na criação de tecnologias sociais de convivência com o clima. A nossa Caatinga é um bioma que só existe no Brasil e cobre 11% do nosso território, passando por onze estados da federação. É nesse bioma que uma pesquisa pioneira, conduzida pelo Observatório da Dinâmica de Carbono e Água na Caatinga, descobriu que a que a Caatinga é mais eficiente do que a Amazônia na absorção de CO2, com a vegetação local agindo como um verdadeiro filtro natural para o gás carbônico.

Porém, todo esse potencial é invisibilizado para que nossa Caatinga seja tomada pelo Agro. Afinal de contas, na visão deles, essas terras secas e essa mata branca são inúteis, improdutivos e devem ceder espaço para o deserto verde das monoculturas de milho, soja e pastagem para o gado, que diga-se de passagem, não é uma espécie adaptada ao clima Semiárido e por isso, exige muito mais recursos para se manter viva. Dessa forma, o Agro faz um processo de destruição duplamente cruel: não só destrói ecossistemas inteiros para manter seu modelo de produção altamente destrutivo, como devasta um bioma que só existe no Brasil e que é o mais eficiente na mitigação dos efeitos da crise climática.

Em tempos de COP 30, o momento nos permite olhar para esse tema com um olhar amplo e voltado à construção de alternativas reais, que conduzam o nosso país para uma transição ecológica e que proteja nosso meio ambiente da sede do lucro. Diante desse cenário, é urgente que o Brasil volte os olhos para a Chapada do Araripe, para denunciarmos o que vem acontecendo em um território que deveria estar sendo protegido e lutar por medidas que mitiguem os impactos do que já foi devastado e impeça que esse cenário avance.

Felizmente, não partimos do zero. Já temos em mãos uma ferramenta construída a muitas mãos: o Plano de Manejo da Floresta Nacional do Araripe. Este documento não é uma mera formalidade burocrática; é a materialização de um pacto social, fruto de um amplo e democrático debate que reuniu especialistas, poder público e, principalmente, as comunidades que conhecem e preservam a chapada há gerações.

Acontece que esse plano já deveria ter sido feito e implementado há muitos anos. A própria Lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza (SNUC) prevê que todas as unidades de conservação devem dispor de um plano de manejo, que deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data de criação da unidade e submetido ao ICMBio para análise e aprovação. Nesse caso, com a APA Chapada do Araripe sendo criada em 1997, o plano deveria ter sido publicado em 2002, há 23 anos, mas ele só começou a ser elaborado em 2022 e foi finalizado em 2023 e desde então aguarda publicação do ICMBio.

Enquanto isso, a Chapada do Araripe figura, lamentavelmente, entre as unidades de conservação mais desmatadas do país. Como podemos falar em mitigação dos impactos das mudanças climáticas na nossa região se não estamos protegendo nem as áreas de preservação? Cuidar da APA Chapada do Araripe é evitar o avanço predatório do agronegócio, respeitar e valorizar os modos de vida dos povos tradicionais que vivem na região há gerações e garantir que o desenvolvimento da região considere as questões sociais e não apenas a economia.

A Chapada do Araripe não aguenta mais esperar. Sua gente, sua cultura e sua natureza única já estão na luta por um futuro em que a proteção e o progresso caminhem de mãos dadas. Cabe a nós, de todos os cantos do país, darmos as mãos para essa luta e fazer da Chapada um exemplo de convivência com o Semiárido, de preservação da Caatinga e de respeito e valorização dos povos da Chapada. É pelo nosso nordeste brasileiro, mas, é também pelo nosso planeta e todos as próximas gerações.

Rosa Amorim é deputada estadual de Pernambuco pelo Partido dos Trabalhadores e presidenta da Comissão de Meio Ambiente da Alepe

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