Com o título “Nada e respira aos 72 anos”, eis artigo de Flamínio Araripe, jornalista e pesquisador. Aprender a respirar, via natação, é bom demais… pelo que expõe o articulista.
Confira:
Corria novembro quando eu, depois do meu aniversário – 72 anos -, comecei a respirar. Falei pra minha mulher, ela estranhou. “Como?” Porque também respirava. Não tem novidade. Já meu filho achou esquisito. Perguntou à mãe, “devo me preocupar?”. Com o juízo do pai. Tentei explicar. Antes o ar ficava do diafragma para cima. Dormia de boca aberta. Agora inalo a suave expansão pela barriga. Pela base do pulmão. A todo momento contemplo o mesmo movimento respirar em mim. Vou junto nesse ritmo, acompanho a ondulação.
Na piscina, lembrei de quando nadava uma hora e meia e a instrutora advertiu que o horário do treino era de uma hora. “Não basta para o que quero (obter) da natação”, respondi. Não sabia o que o nado poderia me dar – dava e eu queria mais -, apesar dos 90 minutos de crawl, costas e peito, 30 minutos cada. Mas tinha certeza de que algo ali haveria a encontrar.
Tem um lance com a água, um espaço de liberdade, preso no que me solta. Nas extremidades do corpo e no interior a cada braçada ou pernada são convocadas forças de músculos, ossos, encaixes, comandos ativados, segurar e soltar. É possível soltar com a água na mão, o corpo no colchão que se deixa afundar para flutuar no impulso de deslocamento?
Passaram-se meses. De modo espontâneo, não para cumprir o tempo, depois me encaixei nos 60 minutos. Mas sem encontrar meu objetivo, escondido de alguma maneira ainda inalcançável. Tem mais de ano de uma hora de nado por dia, ou duas a quatro vezes por semana, pois sabia assim puxar um fio. Enquanto parcelo o tempo por cada estilo, em minutos iguais.
Quando dizia a mim mesmo “precisava acordar”, fazia a travessia da semi olímpica a cada estilo. Alternava 25 metros de crawl, 25 m de peito, 25 m de costas. Continuar assim, de modo sucessivo. Ainda não sabia como extrair a minha busca da variação. Já havia passado um ano de nadar todo dia, sem exceção, quando espacei a frequência, sem preocupação, na certeza de que o exercício me recupera. Tinha dia de nado-medicinal,
dia de entrar meio como enjambrado e sair inteiro. Só quem nada sabe.
Então, um dia, entrei decidido “a acordar” e nadei 25 metros a cada estilo alternado, até fazer uma hora. No dia seguinte, repeti. No próximo, do mesmo jeito. Experimentei variar a cada 50 metros, ida e volta na piscina curta no crawl, depois no peito e costas. Um dia alterno a cada 25, outro distribuo a variação de 50 m em 50 metros. Cheguei a experimentar o nado de 200 metros no crawl, 200 peito e 200 costas. A cada volta depois de tocar a borda o corpo se adaptava a cada troca, notava repuxar as costelas, ajustes cada vez diferentes.
Há um jeito de intensificar os movimentos. Todavia, sem forçar. O resultado da natação é cumulativo, pois no dia seguinte se chega na água com mais gás. Mas não é para aplicar esta energia a forçar limite com esforço. Procuro respeitar esta fronteira. Nada de dor, não pode doer. Ao longo de uma sequência de quatro dias sem faltar à prática, a piscina semideserta no horário das 13 às 14h – minutos a mais e nunca a menos -, o corpo respondeu. O corpo e todo o ser ali dentro da água, dentro de mim. Não notei a repercussão, de tão entregue ao fazer. Pela presença vivenciada, o ato é mais perceptível que os efeitos.
Então comecei a notar, deitado na cama, em casa, sentado à mesa, ou recostado no sofá, o movimento da barriga indo e voltando. Inalar com uma suavidade e potência desconhecida. Noite inteira, esse sugar discreto que preenche. Observo como um torcedor, tomara que permaneça assim durante o dia. Veio pra ficar? A natação tem esse poder? Comprovo que sim. Posso prescrever para outras pessoas? Penso em algumas que sofrem de apneia, distúrbio da respiração que estanca a entrada do ar e faz o indivíduo acordar. Debilitante. O dia seguinte é um arrastar do corpo nas rotinas pela falta de sono.
A medicina tem o diagnóstico: flacidez em um tecido da laringe. Apnéia. Ou opera – a cirurgia não garante nada de solução definitiva – ou vai atenuar os sintomas com um aparelho mecânico que introduz na boca e encaixa nos dentes para dormir. Quem sou eu para acreditar que a natação é o melhor para vencer este impasse, acordar desse drama? Imagino, a pessoa vai ter tempo de nadar uma hora todo dia? Acredito que seja preciso
primeiro aperfeiçoar o crawl, peito e costas. Depois introduz as variações.
Não pode nadar afobado. Na sofreguidão dos movimentos apressados, sequer a pessoa percebe o que está fazendo. Precisa vivenciar o que acontece, estar presente. Há um limite em que se pode acelerar. Com atenção no movimento em administração cuidadosa do aumento da potência. Será que o nado desenvolvido com o professor de natação, na prancha, pé de pato, palmar, consegue educar como creio ser necessário? Tenho minhas dúvidas… Ou é porque nado sem nada disso, sem nenhum acessório?
O aluno aprende e logo é orientado a dar “tiros”, nadar a toda velocidade, medir o tempo no cronômetro. O mais grave é que este processo leva ao momento áureo, para eles, culmina na competição. De que vale perder um sábado ou domingo à espera de ser chamado para subir na plataforma para esperar a autorização da largada? Tudo por uma medalha de lata. As pessoas são ocupadas. Trabalho, família, religião. Quem vai encontrar tempo? Eu saberia ensinar o que encontrei em mim? Não conheço fisiologia, devia conhecer. E a didática, saberia dizer o que fazer aos alunos a cada dia?
A pergunta que me faço depois de anos a fio de natação, mais de 40 anos, onde isso me leva enquanto me concentro nadando. Um encontro comigo mesmo? Uma busca continuada, um exercício da vida?
*Flamínio Araripe
Jornalista e pesquisador.