Não aprendemos nada, Francisco. Continuamos a olhar o outro de cima a baixo e não é com o intuito de ajudá-lo a levantar, é para julgar mesmo.
Lembrei-me das vezes em que briguei com minha irmã que sempre gostou de usar jeans e camiseta. Eu dizia:
Você é veterinária, tem doutorado, não pode andar assim, não vão dar nada por ti no laboratório.
Ela dava risada e ia embora (com a camiseta e a calça jeans).
Minha irmã sempre foi meio franciscana. Comprou logo o livro que conta a história de Bergoglio assim que ele se tornou Papa. Gostou dele, de cara. Eu também (apesar de ele ser argentino). Logo foi apelidado carinhosamente de Papa Chiquinho por nós três, por mim, por ela e pelo Julião, meu marido.
Sonhei, por anos, com a oportunidade de participar daquela famosa audiência com o pontífice, mas eu e Julião nunca conseguimos. Querer não é poder, né verdade?
O mais perto que consegui chegar dele foi tendo contato com a sua história quando fui à Argentina. A imagem dos sem teto, na entrada da Basílica, chamou tanto a nossa atenção que eternizamos em uma fotografia que tornou-se um quadro aqui da sala. Ali eu começava a entender o Francisco.
Saber que o Papa pisou ali e celebrou missas naquele altar me fez sentir bem. Como boa turista, tratei logo de procurar as lojinhas de souvenirs pra comprar duas imagens, uma pra mim e outra pra minha irmã. Atraquei-me com uma estátua em tamanho original de Francisco em uma das vielas de Buenos Aires.
O Papa quis ser enterrado com os sapatos surrados e eu não posso ver o sapatênis do Julião com marca de uso que já vou logo comprar outro pra colocar no lugar.
– O que vão pensar (dele e de mim)?
Tento vestir-me pra me sentir bem. Porém, às vezes, antes de sair de casa, visto uma, duas, três roupas até sentir-me segura e preparada, principalmente se for para ir a algum evento com pessoas desconhecidas. E a unha, quando não tá feita? Desleixo? A internet justifica as nossas exigências, aponta que precisamos ter zelo com a própria imagem, que a gente tem que ter cara de rica (principalmente quando não se é), por isso é importante investir em tons pasteis sem estampa e sem graça e calças de alfaiataria (que estão cada vez mais caras, inclusive).
Não vejo muita gente orgulhar-se nas redes sociais por ter se tornado menos miserável com o outro e consigo mesmo, mas os ganhos materiais (geralmente carros e imóveis) obtidos pelos frutos do trabalho precisam ser expostos na rede, pois motiva o outro também a trabalhar e conquistar o seu. Será?
Se eu tivesse me encontrado com o Papa, talvez ele também tivesse perguntado a mim se cachaça era água. Eu (decepcionada de sair do Ceará pra ouvir ele perguntar isso) iria dizer que não, mas, ao ter oportunidade, faria questão de informar que aqui no Brasil a gente tem o rico, o pobre e o póbi besta (também chamado pobre premium).
Calma, Francisco! Já melhoramos muito. À minha época, as meninas arrancavam as etiquetas das roupas quando não eram de marca. Agora, elas brigam pra divulgar as marcas, nacionais e as de bairro também, contanto que seja de graça, a publi. Acho que já é um importante avanço. E por isso eu consumo, gasto e até me divirto, ou finjo.
Continuamos miseráveis em busca de misericórdia. Francisco apontou caminhos e suas pegadas precisam nos encorajar.
Sempre é tempo de trocar o ouro pelo aço, a limusine pelo carro comum, tirar os sapatos e as mozetas vermelhos e calçar os calçados gastos.
Ainda não fui à Roma, não conheço a Basílica de Santa Maria Maggiore pessoalmente, mas talvez o mais difícil não seja passar um ano pagando uma passagem aérea (duas, no caso) e as hospedagens (ou hospedarias) para realizar um sonho (que é legítimo, sim). O mais desafiador talvez seja entender que, um dia, estar ali, não será mais valoroso nem significativo do que ajoelhar-me em Canindé, no sol réi quente, sem o clima nem o glamour europeu e, ao olhar pro lado, ver um pedinte todo queimado do sol suplicando uns trocados e, do outro, enxergar um cearense com as vestes franciscanas, de joelhos, tocar com os olhos cheios de fé a imagem do santo, com os dedos de cerâmica já gastos (arrancados também), cheios de fitinhas e inscrições com nomes de gente, gente de Fé. Ali também está o Francisco, um não, vários, e ali também está ele, Deus.

Pra terminar, deixo vocês com o cordel do querido Klévisson Viana, cordelista.
ADEUS AO PAPA FRANCISCO
Autor: Klévisson Viana
O poeta cordelista
Possui a finalidade
De narrar fatos históricos,
Expor a realidade.
A cultura é seu emblema,
Ao escrever qualquer tema
Fala com propriedade.
Dos temas que escrevi
Que retenho no sentido
Este, em especial,
Não pode passar batido.
Por isso clamo a Jesus,
Nosso mestre, nossa luz,
Que me mantenha instruído.
Nesses versos nordestinos
Pretendo homenagear
A Jorge Mario Bergoglio,
Nosso pastor singular,
Querido Papa Francisco
Que lutou correndo risco
No seu papado exemplar.
Foi ele, pra cristandade,
Um homem acima da média
Que levou sua palavra
Onde a dor e a tragédia
Atentava contra o povo,
Mostrava um caminho novo
Sempre com firme estratégia.
Foi Jorge Mario Bergoglio
Nascido na Argentina.
Filho de italianos,
Muito cedo se destina
Levar abrigo e cuidado
A todo desamparado,
Com sua fé genuína.
Lutou nas periferias
Amparando os desvalidos,
Levando o pão e a fé
Aos humildes excluídos
De nossa sociedade,
Com solidariedade
Os pobres foram remidos.
E Jorge ordenado padre
Buscou sublime postura.
Muito culto, estudioso,
Lecionou Literatura.
Formado em Teologia
Ensinou psicologia,
Expondo vasta cultura.
Ascendeu dentro da Igreja,
Subiu altos patamares.
Seus sermões tocavam fundo
Os corações de milhares,
Por sua simplicidade
Era um farol da verdade
Que iluminava os lares.
E como um bom argentino
Em seu gosto musical
Era um amante do tango,
Ritmo belo, especial.
Nas paixões, entra no rol,
Seu gosto por futebol,
Ser torcedor sem igual.
Fez-se um líder respeitado
A serviço do Divino,
Por sua simplicidade,
Ser popular, genuíno.
Pelo bem que semeou
Foi eleito e se tornou
Primeiro papa latino.
Foi líder dos Jesuítas,
Manteve firme postura.
Alguns até o acusaram
De apoio à Ditadura,
Mas nada ficou provado.
E o bem foi seu legado
De maior envergadura.
Com o fim da Ditadura
Foi estudar na Alemanha.
Ao retornar à Argentina,
O país em crise apanha,
Jorge empenhou seu nome
E na luta contra a fome
Empreendeu forte campanha.
Levou a fé e o pão
Aos mais distantes lugares,
Alimentando esperança,
Soerguendo muitos lares.
Matando a fome e a sede,
Jorge criou numa rede
Restaurantes populares.
Com a luta pelos pobres,
Por papel primordial,
Seu nome ganhou destaque
Em proporção mundial.
De bispo de Buenos Aires,
Galgou novos patamares
Sendo o ator principal.
Eleito ao trono de Pedro,
Como virtuoso Papa,
Deu-se o nome de Francisco
Para cumprir nobre etapa
A serviço do Cordeiro,
Como farol, um luzeiro…
Em sua fé não derrapa.
Sucedendo o Papa Bento,
Que havia renunciado,
Francisco reconstruiu
A Igreja no papado.
Em atos e homilia
O combate a pedofilia
Faz parte do seu legado.
Com humildade, coragem,
Com garra e disposição
Enfrentou dentro da Igreja
Desonesta oposição.
A ala conservadora,
Elitista, inquisidora,
Que sonega abrigo e pão.
Foi um papa progressista,
Mostrou sua humanidade,
Sempre aberto ao diálogo
Com toda sociedade.
Agora a Igreja em risco,
Sem nosso Papa Francisco
Acordou na orfandade.
Acolheu os excluídos,
Pregou para minorias.
Os seus atos mais fraternos
Trouxeram melhores dias
Para pessoas sofridas;
Não desprezou pobres vidas
Cheia de lutas, porfias.
Foi sábio, foi includente,
Respeitou as diferenças.
Em pregações fraternais
Acolheu todas as crenças,
Com respeito e tolerância,
Mantendo firme constância
E compreensões imensas.
Foi ele, atento e antenado
Com o mundo de hoje em dia.
Não discriminou ninguém,
Acolheu como podia.
Com pensamento fecundo,
O que fez por este mundo
Reflete grande valia.
A parte podre da Igreja
Não deu apoio ou suporte
Ao papado de Francisco,
Não desejou boa sorte,
Ao contrário, praguejou
Abertamente e pregou
De Francisco a sua morte.
Agora, a Igreja Romana
Vem correndo imenso risco,
Se cair nas mãos de um bispo
Opositor de Francisco
Na certa dissipará
E com ódio espalhará
As ovelhas do aprisco.
Um ultraconservador,
Arrogante e elitista,
Distante da humildade
Com ares de narcisista,
Opositor de Jesus
Que inveja o brilho e a luz
Do nosso papa humanista.
Humildes todos clamamos,
Em nome dos desvalidos,
Um novo papa que seja
A favor dos excluídos,
E que o mártir do madeiro
Siga como o timoneiro
Do papa em todos sentidos.
Voltando ao Papa Francisco,
Sua postura exemplar,
Mesmo com agenda cheia
Dava um jeito de ligar
A sacerdote que luta
Enfrentando a fome bruta,
Que insiste em assolar.
Para o Padre Lancellotti
Sempre fazia ligação.
Uma fala carinhosa,
Um apoio pra missão
De combate a fome crua
Da população de rua,
Que leva vida de cão.
A Gabriel Romanelli,
Padre que enfrenta horrores
Firme na Faixa de Gaza,
Francisco com seus pendores
De cristão mais elevado,
Ligava, fazia agrado
A um de seus bons pastores.
Francisco foi divisor
Na história da Igreja.
Fez a Igreja mais humana
Que a humanidade almeja;
Fez-se santo, olhar sensível,
Enxergava o invisível
Com sua alma benfazeja.
Fará falta, muita falta,
Mas ficará seu exemplo
De religioso que
Fez da sua vida um templo
Do mais autêntico cristão
E a sua imagem, então,
Ao lado de Deus contemplo.
Prestei sincera homenagem
A Francisco e seu legado.
Viverá eternamente
Seu bom exemplo deixado,
Meu respeito e gratidão,
Respeito de coração
O seu bonito papado.
Respostas de 4
Belíssimo texto. E que cordel.👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
Que texto forte. Pausei algumas vezes, para contemplar, para sentir, para sonhar.
Parabéns pelas palavras, mas muito mais pelos sentimentos.
E o cordel também maravilhoso.
Mirelle, jornalista e escritora,
entre nós independentes,
me incluo nos seus escritos
em favor de toda a gente,
com o ensino do Papa Francisco
fica um eco ou mesmo um grito
pela paz de todo vivente. 🌳
A fé é isso mesmo, não escolhe lugar, toca o coração e nos move e como movia nosso querido Papa.
Li do texto Mirelle parabéns 👏🏼👏🏼👏🏼🥰