Confira:
Em uma viagem ao interior do Ceará, me foi contada como piada, a história de dois desafetos em uma determinada cidade, segundo a qual, um desses desafetos, sempre que tinha a oportunidade, não se intimidava em dizer que queria a morte de seu opositor. O fato, é que tal opositor foi assassinado e o primeiro a ser ouvido como suspeito, foi justamente o desafeto que lhe queria ver morto. Chamado a delegacia, não só negou a autoria do ato delituoso, como ainda inquiriu a autoridade policial com a pergunta: ‘e desde quando querer é crime?”. Lembrei-me desse episódio com a recente declaração de um senador paulista, ao justificar a trama que, por pouco, não tirou a vida do presidente Lula, do seu vice Alckmim e do ministro Alexandre de Moraes, dizendo que “pensar em matar não é crime”.
Ora, se a versão folclórica da cidade do interior cearense ganhou ares de comicidade no anedotário popular, o mesmo não se pode admitir em relação à tentativa de matar as três autoridades brasileiras. Aceitar isso sob o argumento da tecnicidade jurídica é compactuar com a normalização do absurdo em pleno século XXI, como se com o advento da Inteligência Artificial, nossas mentes e corações ficassem privados do óbvio ululante. Não, relativizar o absurdo só abre espaço para que uma série de outras ações absurdas neutralizem a capacidade de discernimento sobre o que pode ou não ser feito para que as pessoas convivam em sociedade.
O mais grave é que essa relativização vem em uma crescente por pesos e contrapesos da sociedade já não mais funcionarem como anteparo a determinados atos absurdos celebrados como normal. Basta um rápido corte temporal para ver a que ponto chegamos. Ou acampar em frente a quartéis pedindo golpe militar é normal? Ou preparar bombas a serem detonadas no aeroporto de Brasília é normal? Ou destruir prédios públicos utilizando a bíblia é normal? Nada disso se justifica em um estado de Direito, a não ser diante da percepção de pessoas que vem em tudo uma ameaça deletéria de um suposto regime comunista, que sinceramente, não se sustenta em nenhuma concepção filosófica por mais rasa que seja.
*Luiz Henrique Campos
Jornalista.