“Nietzche. Heisenberg e Francisco: Entre a Incerteza e a Misericórdia” – Por Mauro Oliveira

Mauro Oliveira é PhD em Informática por Sorbonne. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “Nietzsche, Heisenberg e Francisco: Entre a Incerteza e a Misericórdia”, eis artigo de Mauro Oliveira, professor do IFCE e PhD em Informática por Sorbonne University.

(Dedicado ao Pe Gaspar da Igreja do Carmo, “irmão” de Francisco)

Confira:

Certamente o Papa Francisco, argentino dos bons, leu Assim Falava Zaratustra, de Friedrich Nietzsche. É difícil imaginar um jesuíta desses, amante da literatura e da filosofia, que dá bronca em cardeal e beija o pé de um enfermo, deixar de fora da estante a obra que sacudiu as bases da tradição ocidental. E talvez, como tantos leitores religiosos, Francisco tenha sentido o impulso de fechar o livro quando Zaratustra, recém-descido de seu eremismo na sua Meruoca zodiacal, desdenha de um velho piedoso que ainda “não sabia que Deus está morto”.

Mas Francisco não é de virar o rosto para quem pensa diferente. Aposto meu chimarrão que ele seguiu firme na caminhada de Zaratustra, no seu devaneio do Além-homem, como quem diz: “Vamos entender melhor esse Nietzsche antes de julgá-lo.” Uma atitude rara — especialmente em grupos de WhatsApp.

No fundo, Francisco sempre teve um jeitão meio quântico. Não no sentido de estar em dois lugares ao mesmo tempo (embora seja argentino e Papa simultaneamente … rsrs), mas pela forma como lidou com as tensões no “mundo de meu Deus”.

Em uma de suas declarações mais marcantes, sobre a origem do universo, Francisco mandou essa: “O Big Bang não contradiz a intervenção criadora divina, pelo contrário, a exige.” Um padre newtoniano talvez travasse, mas o jesuíta Francisco “surfou até no colapso da função de onda”. Ou seja, no começo era o verbo e seu logos bíblico, … e talvez uma explosão cósmica dançando ao som de uma harpa celeste.

Com uma só frase, dissolveu o falso dilema entre ciência e fé, aproximando o discurso religioso de uma cosmologia moderna, que encontra no mistério da origem do universo um espaço para a espiritualidade.

Foi aí que me lembrei de Heisenberg, aquele camarada que nos tirou o conforto de saber onde as coisas estão com precisão. Talvez porque ando cercado de gente boa: ateus, agnósticos, crentes, espíritas, umbandistas, veganos radicais. Gente que planta árvore, cuida de bicho, compartilha pão e espalha esperança. Gente que luta por justiça, por sustentabilidade, por paz. Gente que não sabe dizer se Deus existe, mas vive com mais compaixão do que muito devoto.

Werner Heisenberg nos ensinou que, no mundo subatômico, não há “certezas absolutas”. Uma partícula pode ser também uma onda, pode estar aqui, ali ou nos dois lugares, um pouco como a verdade, a fé e os boletos no fim do mês. A física quântica, com sua lógica contraintuitiva, desafiou a segurança de um universo previsível… a despeito de Einstein que preferiu neste tiroteio cosmo filosófico a tese de que “Deus não joga dados”.

Nobel de Física em 1932, Heisenberg nos deu uma metáfora poderosa para pensar o humano: talvez sejamos também múltiplos, contraditórios, oscilantes entre fé e razão, entre dúvida e esperança. Talvez o universo funcione assim: mais do que verdades absolutas, precisamos de convivências possíveis.

Embora Heisenberg tenha criado o conceito, parece que quem entendeu mesmo foram os meros mortais capazes de aceitar que um crente, um cético e um filósofo podem dividir a mesma mesa e, quem sabe, o mesmo Malbec.

Nietzsche quis matar Deus, mas acabou criando um novo tipo de homem, capaz de afirmar a vida com coragem. Heisenberg destruiu a ilusão do controle absoluto, mas nos ensinou a humildade diante do desconhecido. Francisco nos deixa o legado de que, acima de todas as disputas, está a misericórdia e que, no fim, mais importante do que saber quem tem razão, é viver com compaixão.

Francisco foi o Papa que pediu aos jovens que trocassem suas dúvidas por sonhos. Que não se deixassem sequestrar pelos próprios medos. Que construíssem pontes, mesmo quando a …

*Mauro Oliveira

Professor do IFCE e PhD em Informática por Sorbonne University.

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