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“No pódio da violência”

Djalma Pinto é advogado e especialista em Direito Eleitoral. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “No pódio da violência”, eis artigo de Djalma Pinto, jurista, professor e ex-procurador-geral do Estado. “Há mais de trinta anos, tenho questionado a forma como vem sendo trabalhada a educação de nossas crianças. Quais valores lhe são transmitidos para que não se tornem ameaçadoras da sua coletividade? É apavorante a ausência de política pública direcionada à infância, alicerce da cidadania. Os exemplos exitosos do Japão, Coreia do Sul, China, nessa área, são solenemente ignorados”, expõe o articulista.

Confira:

O Portal Terra Brasil Notícias publicou recente estudo sobre os locais com índice de maior criminalidade no mundo. Foram destacadas as dez cidades mais perigosas do planeta. Entre estas, Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador estão no pódio da violência.

Deplorável, porém, é constatar que nenhuma providência eficaz tem sido adotada para retirar o Ceará dessa situação vexatória. A política de segurança se resume em aumentar, em vão, o número de viaturas e do contingente policial. Lembrar que há algumas décadas não havia necessidade de muro alto, grades nas residências, sendo possível andar nas ruas sem o medo apavorante dos dias atuais, expõe a necessidade de uma reflexão coletiva sobre o que deu errado. Como explicar e como reagir a tamanha involução?

Há mais de trinta anos, tenho questionado a forma como vem sendo trabalhada a educação de nossas crianças. Quais valores lhe são transmitidos para que não se tornem ameaçadoras da sua coletividade? É apavorante a ausência de política pública direcionada à infância, alicerce da cidadania. Os exemplos exitosos do Japão, Coreia do Sul, China, nessa área, são solenemente ignorados.

A solução apresentada para a crise da violência é a mesma de sempre: aumento do aparato repressor, com a compra de viaturas e contratação de novos agentes públicos. Considera-se irrelevante o questionamento sobre como estão sendo educadas as nossas crianças. Isso explica a triste realidade de um município deparar-se com meninos de 12 anos, se sobressaindo no tráfico de drogas. Em termos de realidade, o modelo educacional vigente não contribui para a redução da criminalidade.

Educar é transmitir saber e valores de uma geração para outra. Para bem cumprir essa função essencial, o Estado, a família, os veículos de comunicação e toda a sociedade devem colaborar com os professores para tornar-se exitosa a sua árdua missão. Esses profissionais precisam ser ouvidos. Seus dramas e as dificuldades para o bom desempenho de sua função deveriam receber destaque nas mídias. Necessitam ser reverenciados por todas as pessoas que compreendem que, sem educação de qualidade também para os mais carentes, qualquer sociedade fracassa.

Quem são nossos educadores com espaço nos veículos de comunicação? Quem estimula nossas crianças à leitura e ao cultivo das vitudes da justiça, da empatia e da solidariedade? Esses valores, Aristóteles já ensinava, se adquire pelo hábito. Como nossos jovens poderão ser desestimulados da prática de infrações se muitos dos seus representantes, credenciados para atuar em seu nome, compram voto, desviam verba da saúde, de emendas parlamentares e, a despeito da gravidade dessas infrações, não são alcançados pela sanção?

Nesse quadro de distorções se sobressai a epidemia da violência, empurrando Fortaleza para tornar-se destaque mundial. Qual a propaganda institucional – que consome uma fábula de dinheiro do Poder Público -, contribui para a propagação dos bons valores sem os quais a selvageria prevalece no grupo social? Nesse particular, a Constituição, no art. 37, § 1º, não poderia ser mais clara: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”

Qual o caráter educativo de uma publicidade institucional, informando, exclusivamente, que foram compradas viaturas para melhorar a segurança pública? De que maneira propaganda dessa natureza vai contribuir para estimular uma criança de 8 anos, residente em uma comunidade sem saneamento, a ser um cidadão respeitador dos direitos fundamentais das outras pessoas?

O fato, enfim, é que a sociedade precisa deixar de conviver com o nível absurdo de violência. Não pode ser “normal” o Ceará ser dominado por facções, que matam e intimidam até os profissionais com a missão de garantir a segurança da população. Isso é uma patologia gravíssima, a exigir novo receituário para sair desse pódio desconfortável.

*Djalma Pinto

Jurista, mestre em Ciência Politica, ex-procurador-geral do Estado e autor de diversos livros entre os quais: “Ética na Política”, “Distorções do Poder”, “A Cidade da Juventude”, “O Direito e o Comprovante Impresso do Voto”.

 

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Uma resposta

  1. Muito bom companheiro de caminhada. Já dizia o francês Victor Hugo: “Quem abre uma escola fecha uma prisão” No Brasil nem abrimos boas escolas nem presídios. O fundo penitenciário nacional, da lei de execuções penais, manda milhões para os estados construírem presídios e ninguém quer construí-los. A manutenção é cara e ninguém quer um presídio perto de casa. Os já construídos de tão lotados viraram escolas do crime. Assim, falar de política nacional é como o cachorro querer morder o próprio rabo…

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