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“Noites Paralelas”

Tuty Osório é jornalista e escritora

“Antes de 2021 a morte era um evento visitante. Foi quando morreu meu pai que passou a ter concretude, a doer deveras”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório

Confira:

Na minha casa há luz natural, faça sol ou chuva. Janelas, varandas, molduras do céu e do mar, pertinho. Tem vasos de flores, jarros de plantas de verdes diversos. A minha casa tem ar, espaço, chão, teto. Lá fora é madrugada e caminho pelo mundo através da tela. Uma história de gente que não tem uma casa como a minha, várias histórias. Gente sem voz, sem rosto, sem escolha. Somos do mesmo solo, de fato? É bizarro que me surpreenda ao reconhecer que somos, sim.

Antes de 2021 a morte era um evento visitante. Foi quando morreu meu pai que passou a ter concretude, a doer deveras, a causar uma perplexidade barulhenta, corrosiva. Depois do meu pai partiram amigas, amigos, por destinada doença ou optada, teórica, desistência. E a partir de meu pai a morte estava vestida de outra maneira. Demorei a perceber que roupa era aquela. Faz pouco que identifiquei que esse luto é porque cada qual que morre leva consigo um pouco de mim.

É por mim que dobram os sinos da minha alma que expira em etapas, a cada afeto que se vai. A TV exibe uma série de proposta ficção, onde viver e morrer é banal. As culpas, condenações, prisões, são por suspeita, regidas pela leviandade. No meio dos inocentes há culpados que sempre se dão bem. Não há castigo para seus crimes. Há vantagens a cada aparente golpe. É a cidade desvairada, os cidadãos desesperados, maltratados, sem bispo ou juiz a quem se queixar.

Perco o sono e não encontro nada. Começa a tempestade e checo as filhas. Estão bem. Abrigadas em casas parecidas com a minha. Reproduzidas desde os meus bisavós, já nascemos com tal domicílio determinado. Nem querendo seremos expulsas. A capa de chuva varia de cor e de desenho, mas existe sempre. Com imenso capuz, bolsos avantajados a abrigar mãos, artes, ferramentas, lanternas, mapas.

A dois ou três quarteirões, jovens avós, como eu, também não dormem. Só que sob telhados de cartão e pano. Palafitas erguidas à beira do viaduto, mantidas enquanto os zeladores de boa vontade resistirem à pressão dos maus tribunos.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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