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“Nossa, como cresceu!”

Plauto de Lima, coroel da reserva da PM-CE e mestre em Planejamento de Políticas Públicas.

Com o título “Nossa, como cresceu!”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel da reserva da PM e mestre em Planejamento de Políticas Públicas. Ele toca numa ferida que não sara: aumento da violência no Estado, com ingrediente adicionado de facções criminosas em expansão.

Confira:

Não sei se você já se surpreendeu ao perceber que não notou as mudanças que ocorrem no dia a dia. É como se, de repente, acordasse e se deparasse com algo transformado, sem ter acompanhado a evolução dessa mudança. Quem tem filhos sabe do que estou falando. No meu caso, sou pai de três. Olho para eles hoje e me pergunto como o tempo passou tão rápido. Aqueles pequenos que eu carregava no colo agora estão crescidos — alguns, até maiores do que eu. O que me surpreende, no entanto, é que não percebi, dia após dia, que eles estavam crescendo. Já os amigos que passam muito tempo sem vê-los sempre se espantam ao reencontrá-los e dizem: “Como cresceram!”

Isso acontece também com os lugares. Cresci em um bairro da periferia de Fortaleza e, sempre que o visito, me surpreendo com novas construções, ruas que antes não existiam ou outras que simplesmente desapareceram. Quando se trata de cidades, a surpresa é ainda maior. Se você mora em Fortaleza há mais de 20 ou 30 anos, certamente não vive na mesma cidade que conheceu no passado. Mas o mais curioso é que não percebemos as mudanças acontecendo. Isso só se torna evidente quando nos afastamos por um tempo e depois retornamos.

Talvez o leitor se pergunte aonde quero chegar com esses exemplos. O fato é que, quando se trata da violência no Ceará, ocorre algo semelhante: não percebemos sua perigosa evolução. O número de homicídios é a métrica mais confiável para medir a violência em um local. A Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece como aceitável uma taxa de até 10 homicídios por 100 mil habitantes.

O grupo político que governa o estado até hoje iniciou sua trajetória com o chamado “governo das mudanças”, de Tasso Jereissati, em 1986. Em 1990, Tasso fez seu sucessor, Ciro Gomes, que, por sua vez, foi substituído pelo próprio Tasso (1995–1999). Ciro deixou o governo com uma taxa de 9,5 homicídios por 100 mil habitantes. Já Tasso, ao concluir seu terceiro mandato como governador, em 2002, passou a faixa para Lúcio Alcântara — mais um político de seu grupo — com uma taxa de 18,9 homicídios por 100 mil habitantes. Isso representou um aumento de quase 100% em relação ao índice deixado por Ciro Gomes.

Quatro anos depois, o grupo político sofreu uma fissura quando Ciro Gomes lançou seu irmão, Cid Gomes, ao governo, sem apoiar a reeleição de Lúcio. Ciro contou, no entanto, com o apoio de Tasso Jereissati. Nessa eleição, o tema da violência dominou os debates entre os candidatos. Cid prometeu um ousado programa de segurança chamado “Ronda do Quarteirão”, e a população lhe deu a vitória, na esperança de dias mais seguros. Lúcio deixou o governo com uma taxa de 21,8 homicídios por 100 mil habitantes.

O governo de Cid Gomes durou dois mandatos. O primeiro (2007-2010) terminou com uma taxa de 31,9 homicídios por 100 mil habitantes. Foi nesse período que o Ceará ultrapassou a taxa de homicídios do Brasil. Ao final de seu segundo mandato, o índice chegou a 44,6 homicídios por 100 mil habitantes. Mesmo assim, Cid conseguiu eleger seu sucessor, Camilo Santana.

Nos quatro primeiros anos do governo Camilo Santana, a população cearense vivenciou os maiores índices de violência da sua história. Em 2017, o estado registrou a maior taxa de homicídios já vista: 57,04 por 100 mil habitantes, totalizando 5.133 assassinatos naquele ano. Apesar desse cenário alarmante, Camilo Santana foi reeleito ainda no primeiro turno.

Logo no primeiro dia de seu segundo mandato (2019-2022), o estado foi tomado por uma onda de ataques terroristas. Grupos criminosos detonaram bombas em pontes e viadutos, incendiaram ônibus, assassinaram agentes de segurança, atacaram repartições públicas e até impuseram toque de recolher em várias cidades, incluindo Fortaleza. A existência das facções criminosas, antes negada publicamente pelo governador, se revelou da forma mais humilhante possível para sua gestão.

Nos oito anos em que governou o Ceará, aproximadamente 30 mil pessoas foram assassinadas. Além de números comparáveis aos de países em guerra, a violência se tornou ainda mais brutal, marcada pela barbárie: corpos decepados, execuções filmadas e divulgadas pelos próprios criminosos, com vítimas de todas as idades, incluindo idosos, crianças e mulheres. Mesmo diante desse cenário aterrorizante, Camilo conseguiu eleger seu sucessor, o atual governador do Ceará, Elmano de Freitas.

Atualmente, vivemos um período de forte estruturação do crime organizado no estado. Nossos portos são usados para escoar toneladas de drogas para a Europa, enquanto comunidades inteiras são forçadas a viver sob o domínio de facções criminosas. A realidade imposta à população mais pobre é cruel: chacinas, proibição do uso de serviços públicos, como saúde e educação, para moradores de comunidades dominadas por grupos rivais, cobrança de taxas extorsivas para o funcionamento do comércio e, no caso de inadimplência, execuções sumárias de comerciantes.

Foi junto à eleição de Elmano que o crime organizado avançou para uma nova fase de estruturação e domínio. Expandiu seu alcance para dentro da política, elegendo prefeitos em diversas cidades do estado e parlamentares em diferentes esferas legislativas. Hoje, assistimos à tentativa de apropriação dos serviços essenciais da população. Rompendo as barreiras das comunidades, os criminosos agora impõem restrições às empresas provedoras de internet, permitindo apenas a operação daquelas que pagam uma taxa às facções.

Talvez você, que viveu toda essa escalada da violência no Ceará, não tenha percebido sua evolução, assim como nos exemplos que citei nos primeiros parágrafos. O fato é que estamos sendo consumidos todos os dias pela criminalidade. Espero que você não perceba esse crescimento somente quando estiver diante da sua própria morte.

Plauto de Lima é coronel da Polícia Militar e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

Ver comentários (6)

  • Excelente reflexão apresentada, tudo com fundamentação e estudos auferidos durante o labor profissional vivido e experiências adquiridas, sedimentando assim, uma reflexão plausível e coerente
    Parabéns e muito sucesso!!

  • Parabéns Cel.Plauto, muito bem colocadas suas palavras e seus exemos é a realidade do nosso estado, muito lamentável esses números de homicídios no nosso estado, infelizmente a tendência e aumentar cada ano, Os homens que estão hoje no poder estao aliados com o Crime e nas campanhas pefiram apoio para permanecerem no Comando, os presídios em festa com a vitória deles, meu medo Cel.Plauto, é quando o crime exigir é cobrar o que prometeram, se é que já existe muitos projetos Leis beneficiando as Facções, se não cumprirem a cobrança vai ser grande, meus pais me ensinaram a nunca fazer acordo com bandodos .

  • É verdade! Nesse ritmo não vai sobrar ninguém para contar a história.

  • Precisamos de um Bukele para mudar esse cenário caótico!

  • PARABÉNS CEL PLAUTO,PELO BELO TRABALHO,SUA AVALIAÇÃO CONJUTURAL DA SEGURANÇA PUBLICA CEARENSE ,POR DECADAS,REALMENTE CONDIZ COM A REALIDADE,POIS A ELEVAÇÃO DA CRIMIMINALIDADE MUITO PREOCUPA TODO O POVO CEARENSE, PORTANTO SAIBAM TODOS, EM ESPECIAL OS LÍDERES POLITICOS DO ESTADO DO CEARA,JUNTAMENTE COM OS PROFISSIONAIS DA SEGURANÇA PÚBLICA DOS SIFERENTES NIVEIS DE GOVERNOS, OU SEJA FEDERAL,ESTADUAL E MUNICIPAIS PASSEM A TRABALHAR JUNTOS ESTRATEGICAMENTE ,TATICAMENTE E OPERACIONALMENTE UMA SOLUÇÃO SUSTENTÁVEL EM DEFESA DA VIDA DO NOSSO POVO!

  • Brilhante trabalho. Você sempre focado nas pesquisas.
    Parabéns!

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