Com o título “Notas sobre o uso excessivo de telas”, eis artigo de Amaudson Ximenes, sociólogo e presidente do Sindicato dos Músicos do Estado do Ceará. Trata-se de “uma breve discussão sobre os problemas causados e um contraponto”. acrescenta o articulista.
Confira:
- Introdução
A utilização de meios eletrônicos, como computadores, telefones celulares, tvs e tablets – ou seja, de telas –, encontra-se inserida cada vez mais no cotidiano humano, seja no ambiente de trabalho, no contexto educacional, na comunicação, no lazer. Trata-se de um recurso integrante do mundo pós-moderno, praticado para encurtar distâncias e otimizar o tempo, para viabilizar pesquisa e consumo, entre outros empregos mais ou menos urgentes, que promete facilitar a interação entre empresas, instituições, indivíduos e grupos sociais, com impacto, sobretudo, em crianças e adolescentes (SOUZA; MORAES, 2025).
Entretanto, a facilidade sugerida com o uso de tais ferramentas tecnológicas vem, de fato, reduzindo e desqualificando a interação social entre indivíduos e grupos sociais, pois o hábito mecânico de ligar equipamentos e se curvar por sobre ou em direção a eles, mais do que desalinhamentos posturais, acaba por ocasionar transtornos diversos, tais como a depressão e o crescimento das crises de ansiedade, principalmente, na faixa etária mais jovem e vulnerável.
Pior do que isso ou tão negativo quanto: o problema tem contribuído para o crescimento de transtornos mentais e de neurodesenvolvimento (transtornos comportamentais, dificuldades de cognição, atrasos de linguagem, distúrbios motores) e acentuado os sintomas relacionados ao TEA (Transtorno do Espectro Autista) e ao TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), mais severamente, no mesmo grupo social já mencionado.
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.É Graduado em Ciências Sociais, Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará. É graduando em Psicologia pela Universidade Ari de Sá. Pesquisador e praticante do Ciclismo BMX. Secretário da Associação Cearense do Bicicross (ACBx).
Outras consequências identificadas dizem respeito à qualidade do sono e ao processamento emocional, atuando no agravamento do sedentarismo e na ampliação dos índices de obesidade (FEITOSA; SEABRA, 2025).
2. Escolinha de Bicicross do Pici: um contraponto ao uso excessivo de telas
A conscientização ao uso de telas de forma equilibrada, com ênfase, nos primeiros anos de vida, aliado a atividades de grupo e ao ar livre, tem sido apontada por especialistas e estudiosos como uma das alternativas para mitigar os recorrentes prejuízos causados pela onipresença de equipamentos do tipo no cotidiano.
Nesse rol de atividades, uma das inúmeras experiências possíveis na cidade de Fortaleza é a prática caracterizada pela utilização de bicicletas especiais, conhecidas como bicicross ou BMX, promovida e incentivada pela Associação Cearense de Bicicross (ACBx). Antes de se tornar espaço vivo, de ter um significado que extrapola o comum, de ser o lugar que possibilita a prática de um grupo social específico (CERTEAU, 1994), o terreno que abriga o Centro de Treinamento de BMX do Pici era uma rua sem saída onde se acumulava lixo, um local de utilização e consumo de drogas, de partilhas de roubos e assaltos (MENDONÇA, 2015).
No final de 2012, a Prefeitura Municipal de Fortaleza, por meio da Secretaria Regional III, construiu o equipamento esportivo, transferindo a administração e a manutenção do espaço para a ACBx. De início, sediava apenas pequenos torneios e competições da entidade, que tinha como público–alvo adultos acima de 30 anos (MENDONÇA, 2015).
Devido à demanda crescente, ao grande número de crianças e adolescentes que passou a frequentar o local, a Associação concebeu no ano de 2015 uma escolinha voltada a moradores do bairro do Pici e adjacências, tendo como instrutores e tutores os integrantes da entidade.
Assim, ao longo dos últimos anos, mais de 200 crianças e adolescentes passaram pelo projeto esportivo e cultural. Uma parcela desse público, inclusive, com a capacitação, tornou-se atleta da modalidade, vindo a participar de torneios locais, regionais, nacionais e até internacionais. Nessa primeira década, com a ampliação, especialização e divulgação de suas atividades, o projeto angariou apoio de programas governamentais a alguns de seus participantes, como o Bolsa Jovem (Programa Municipal) e o Bolsa Atleta (Programa Estadual e Federal) (MENDONÇA, 2025).
Porém, salienta-se, o maior contingente do público que acessou a escolinha do projeto tem no espaço um lugar de socialização, de interação e de brincadeiras, e não apenas de desenvolvimento de habilidades específicas que podem resultar em excelência esportiva.
Hoje, além de abrigar treinos e competições, o equipamento esportivo é utilizado para a realização de festas e encontros semanais, entre avós, pais, filhos e netos, a fim de comemorar aniversários e outras datas relevantes à coletividade, como o Carnaval, o dia das Crianças e o Natal.
Considerações finais
A utilização de telas é uma realidade inquestionável e, talvez, irreversível, podendo ser observada até os ambientes mais improváveis, seja no trabalho, na educação, no lazer, na comunicação, em suma, na vida como um todo, tornando-se corriqueira no mundo pós-moderno, habitual a pessoas de qualquer grupo ou classe social. No entanto, no que diz respeito a crianças e adolescentes, ela se configura como um problema endêmico que deve ser enfrentado.
Sim, a facilidade prometida vem, na verdade, atrofiando a interação social entre todos, com a consequência nefasta de produzir transtornos diversos, tais como os já mencionados: depressão, crises de ansiedade e outros.
Porém, se o uso excessivo de telas tem contribuído para o crescimento de transtornos mentais e de neurodesenvolvimento e acentuado os sintomas relacionados ao TEA e TDAH, principalmente, em crianças e adolescentes, como forma de promover o bem-estar desse grupo etário, foi exemplificada a experiência da Escolinha de Bicicross do Pici.
Caminhando – pedalando ou correndo – no sentido contrário ao das telas e das sociedades e pessoas que as veneram, enfrentando os obstáculos da pista e da vida, fazendo frente ao sedentarismo, ampliando a oferta de atividades culturais, educacionais, lúdicas e esportivas ao ar livre para os moradores dos bairros Pici, Granja Portugal e adjacências, a experiência capitaneada pela Associação Cearense de Bicicross se configura em um modelo a ser replicado na cidade, no estado, no país. É premente enfrentar as consequências de uma “civilização” que prega, a qualquer custo, o uso da tecnologia. E o custo é alto! Exageradamente. Em muitos sentidos.
*Amaudson Ximenes
Sociólogo e presidente do Sindimuce.
Uma resposta
Parabéns ao meu amigo e irmão Amaudson Ximenes. O seu artigo é elogio ao bom senso.
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Luiz Cláudio Ferreira Barbosa é CEO da Consultoria LCFB