“O adeus a Humberto de Castro e a triste realidade da música de concerto no Ceará”

Heriberto Porto e uma homenagem ao violonista que morreu nos EUA. Foto: Divulgação

Com o título “O adeus a Humberto de Castro e a triste realidade da música de concerto no Ceará”, eis artigo de Heriberto Porto, professor-doutor da Universidade Estadual do Ceará, flautista dos grupos Marimbanda e Syntagme e integrante da diretoria do Sindicato dos Músicos do Ceará. Humberto morreu em Nova Jersey, nos EUA, onde morava, e neste 25 de março seria o aniversário desse cearense que tocou sob a batuta do maestro falecido Eleazar de Carvalho.

Confira:

Humberto Silva de Castro, um de nossos maiores violinistas, foi encontrado sem vida no dia 6 de março último, em seu apartamento, onde vivia sozinho em Nova Jersey, Estados Unidos. Para a classe musical, foi uma perda profundamente sentida. Além de todo o seu talento, Humberto era uma pessoa querida por todos que tiveram a sorte de conviver com ele. Mesmo longe, ele mantinha contato diário com os amigos do Ceará e do Brasil.

Humberto de Castro era filho de músico e foi membro fundador da Orcec (Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho), criada em 1996, onde atuou até 2015. Fundou o Quarteto Cearense, o quarteto de cordas mais longevo que tivemos. Com esse grupo, Humberto se apresentou regularmente nas salas de concerto de Fortaleza, com destaque para as séries mensais no Theatro José de Alencar e no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

O sentimento de perda desse grande artista nos entristece e nos leva a pensar que o perdemos duas vezes. A primeira foi quando ele se auto-exilou nos Estados Unidos, partindo em busca de melhores oportunidades e de sobrevivência. A Orcec, a única orquestra profissional cearense, havia deixado de ser um equipamento cultural com apoio oficial do Estado. Hoje, ela resiste graças ao amor à música de seus integrantes. De 22 músicos, nos tempos áureos, passou a contar com apenas nove membros.

A morte de Humberto de Castro – repentina, inesperada, absurda – nos lembra a triste realidade da música de concerto no Ceará. Como Humberto, são dezenas de músicos cearenses vivendo em outras capitais brasileiras e em outros países, porque, em nosso estado, não temos uma única orquestra profissional oficial, seja municipal ou estadual, em que os músicos possam trabalhar.

Nossos talentos iniciam aqui sua formação, nos projetos e nas universidades públicas, mas, se quiserem seguir uma carreira profissional, são obrigados a sair do Ceará. Vão para a Paraíba, para o Rio Grande do Norte… Na verdade, posso apostar que em todas as orquestras do Brasil há músicos cearenses: OSESP, OSBA, OSPA, Orquestra de Campinas, do Paraná, de Goiás… Estão por toda parte – Polônia, Europa, França e Bahia.

É um orgulho ver tantos brilhando lá fora? Sim! Porém, há um lado muito triste nisso: ver nossa população local privada da arte desses talentos. Eles também sentem falta da terra, da família, do público sempre tão caloroso e carinhoso. Para quem opta por ficar, resta tocar esporadicamente em casamentos, por cachês vergonhosos.

Agora, pelo amor de Deus, alguém explica por que no Ceará temos essa realidade? Quando será que os dirigentes, nossos grandes, iluminados gestores da política cultural, vão finalmente enxergar essa situação? Será porque uma orquestra custa caro? Mas só na Paraíba, que tem uma arrecadação muito menor que a do Ceará, há quatro orquestras profissionais.

Será porque uma orquestra é algo elitista, “coisa de colonizado”? Não! Faz tempo que nossos músicos vêm das periferias ou da classe média e começam a estudar em projetos, como foi o caso de Humberto, no Sesi – Centro de Formação de Instrumentistas de Cordas do Ceará, ou na Tapera das Artes de Aquiraz, na Casa de Vovó Dedé, na Barra do Ceará, e no Instituto Jaques Klein.

O repertório de uma orquestra é amplo e inclusivo. Para dar o exemplo da ORCEC, ela tocava desde Bach e Mozart até Irmãos Aniceto, Hermeto Pascoal, Geraldo Amâncio, Liduíno Pitombeira, além de choro e jazz. Hoje, temos poucos grupos de câmara em Fortaleza e quase nenhum espaço para que eles atuem. O nosso Grupo Syntagma, o mais antigo, do qual faço parte, toca em média uma vez por ano. Parabéns à turma jovem do Nova Ensemble, que tem se apresentado mais regularmente.

São muitos problemas no campo da música de concerto no Ceará. Vamos listar somente alguns, esperando que eles sejam um dia resolvidos, com o envolvimento da sociedade, das instituições, universidades, empresários, gestores. A música de concerto precisa estar contemplada dentro do ainda não estabelecido Plano Estratégico de Desenvolvimento e Difusão da Música Cearense, elaborado pelo Sindicato dos Músicos e pelo Movimento Música do Ceará, entregue a Prefeitura e Estado em junho de 2022, e ainda sem resposta para sua série de propostas e reivindicações para colocar nossa cena musical em outro patamar e respeitar os direitos culturais do povo cearense.

Como fazer música sem pianos nos equipamentos culturais? No Theatro José de Alencar, os que existem já não funcionam mais. Um deles foi roído por cupins, em uma triste metáfora da situação da política cultural no Ceará. No Centro Dragão do Mar, no Cinetetro São Luiz, no Teatro São José, no Centro Cultural do Banco do Nordeste, no Centro Cultural do Bom Jardim, nos Cucas… Em nenhum desses espaços há pianos. Por quê? Quando teremos?

Muitos dos equipamentos culturais carecem de equipamentos, sonorização, iluminação e pessoal especializado, como é o caso do Teatro São José. Faltam escolas públicas de música. A Vila da Música, no Crato, e a Escola Municipal de Música de Fortaleza poderiam servir de modelo para outras iniciativas. O Festival Eleazar de Carvalho deixou de acontecer em 2024 – evento que supria a carência de ensino de diversos instrumentos no estado. O festival voltará neste ano?

Por que não temos chamadas públicas para a música nos teatros José de Alencar e Cineteatro São Luiz, no Museu da Imagem e do Som, na Estação das Artes? Por que os grupos fixos das universidades – projetos incríveis de resistência, como a Banda Sinfônica da Uece, a OSUECE e a OSUFC – enfrentam tanta dificuldade para conseguir pautas nos teatros da cidade?

Por que esta nossa terra, tão rica em música e história, não valoriza, e até penaliza, sua cultura e sua música, expulsando nossos Humbertos?

Até quando?

*Heriberto Porto

Professor-doutor da Universidade Estadual do Ceará, flautista dos grupos Marimbanda e Syntagme e integrante da diretoria do Sindicato dos Músicos do Ceará.

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