Poucos atentam que a narrativa criada sobre uma dívida milionária e impagável em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, tem como finalidade o fim do programa Bora de Graça, que garante passagem de ônibus gratuita em todo o município, sem limite de viagens.
Maior programa no país de gratuidade no transporte público, o Bora de Graça já foi tema de audiências públicas em câmaras municipais do Rio de Janeiro e Curitiba, além de modelo para diversos projetos de cidades brasileiras, inclusive com visitas a Caucaia de parlamentares de todas as regiões do Brasil.
Ao apontar uma dívida de R$ 681 milhões, o prefeito Naumi Amorim sabe que o Bora de Graça possui um alto custo. Não financeiro, mas político.
A gratuidade nos ônibus de Caucaia é uma marca do ex-gestor Vitor Valim. E não há extensão do programa a vans que retire tamanho feito. É o “Bolsa Família” do governo Valim, que proporcionou mais comida na mesa de caucaiense, revitalizou o comércio e levou dignidade e lazer para quem mais precisa, além de uma maior quantidade de distribuição de currículos para empregos pelos quatro cantos da cidade.
Talvez um projeto de cooperação entre as prefeituras de Caucaia e Fortaleza, que resultasse também na gratuidade dos ônibus entre os dois principais municípios da Região Metropolitana, trouxesse algum holofote a Naumi.
Mas o que foi emperrado pela má vontade do então prefeito Sarto, de Fortaleza, por certo não interessaria ao atual prefeito de Caucaia, pois muitos foram os acenos para o fim do Bora de Graça, que mensalmente custa mais de R$ 3 milhões aos cofres da prefeitura.
Em entrevista a um programa local de televisão, em novembro de 2023, Naumi disse que o Bora de Graça seria inviável. Na campanha, negou a sua intenção. Eleito, votou a atacar o programa da gratuidade do ônibus, que contou inclusive com a conivência da Empresa Vitória, que possui a concessão das linhas.
A empresa chegou inclusive a datar o dia 17 de dezembro para o fim do Bora de Graça, ao alegar o mesmo discurso de Naumi: dívida.
Chamada para esclarecimentos pelo Ministério Público, a empresa recuou. Não se pode encerrar deliberadamente um programa que beneficia a população, após receber 39 das 40 parcelas acordadas com a gestão Valim. E a empresa entendeu que concessão não é possessão.
Mas não há nada que uma canetada do atual prefeito não resolva. Quisera o encerramento do programa na gestão que o criou, sem o desgaste político para quem se determinou a findar o Bora de Graça.
Com a intervenção do Ministério Público, o ônibus de graça adentrou 2025. A narrativa agora é uma dívida milionária e impagável, o que inviabilizaria o programa. Melhor ainda se a população entendesse que a dívida foi feita pelo ex-prefeito Valim, mesmo sem a contratação de empréstimo ou financiamento no período 2021/2024.
Naumi aposta na falta de memória da população e na preguiça instalada em muitas redações por pesquisas. Sem muito esforço, é possível verificar o financiamento de US$ 80 milhões da então gestão Naumi Amorim (2017/2020) junto ao Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), em outubro de 2018 (https://www.caf.com/pt/presente/noticias/caf-e-municipio-de-caucaia-firmam-acordo-de-us-80-milhoes-para-modernizar-infraestruturas-e-promover-crescimento-economico/#:~:text=O%20CAF%20%2Dbanco%20de%20desenvolvimento,da%20mobilidade%20local%20e%20da).
Com o dólar na época a R$ 3,70 e com uma economia que prometia estabilidade, Naumi optou por um não seguro cambial, proteção financeira comum em governos de países latino-americanos. E o que em 2018 começou em R$ 296 milhões, avançou para R$ 480 milhões em três anos.
Enquanto a política constrói suas narrativas, o passageiro do ônibus de Caucaia aguarda na parada pelo destino do Bora de Graça. E, nesse caso, ele não se importa por uma espera longa…
Nicolau Araújo é jornalista pela Universidade Federal do Ceará, especialista em Marketing Político e com passagens pelo O POVO, DN e O Globo, além de assessorias no Senado, Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, coordenador na Prefeitura de Maracanaú, coordenador na Câmara Municipal de Fortaleza e consultorias parlamentares. Também acumula títulos no xadrez estudantil, universitário e estadual de Rápido
