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“O Brasil perdeu a graça” – Por Plauto de Lima

Plauto de Lima, coroel da reserva da PM-CE e mestre em Planejamento de Políticas Públicas.

Com o titulo “O Brasil perdeu a graça”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel da reserva da PMCe e mestre em Planejamento de Políticas Públicas. “Essa reflexão me veio à mente ao acompanhar, pela mídia, dois casos envolvendo a atuação dos operadores do Direito diante do suposto mau uso da atividade artística por duas figuras públicas”, expõe o articulista.

Confira:

Assim como as badaladas dos sinos nas torres das igrejas ditavam o “pulso do tempo” nas aldeias e cidades da Idade Média, a melodia que marcava o início do programa Os Trapalhões também marcava, na minha infância, o momento de parar tudo: para mim e meus irmãos, aquela era a hora de sentar diante da televisão e só se levantar após o fim da última cena cômica, protagonizada
pelos humoristas que formavam o inesquecível quarteto dos Trapalhões.

Aliás, a composição do grupo era bastante plural: o negro, o nordestino, o calvo afeminado e o galanteador “duvidoso”. Isso nunca impediu que as piadas explorassem justamente suas características pessoais. Essas piadas, embora hoje seriam vistas como politicamente incorretas ou até ofensivas, na época eram compreendidas como parte de um contexto jocoso, uma espécie de licença humorística que tornava tudo leve e divertido.

Termos como “Bola Sete”, “Sombra da Noite” e “Crioulo metido”, usados em referência ao personagem Mussum, passavam despercebidos pelo crivo moral da época. Da mesma forma, os demais Trapalhões zombavam de Didi Mocó, por ser nordestino, com expressões como “cabeça chata”, “seco do sertão”, “cabra da peste”, “flagelado” e “comedor de rapadura”. Todos os termos que,
hoje, poderiam facilmente enquadrá-los em algum artigo penal por discriminação.

Assim como os versos de Caetano Veloso na canção “Fora da Ordem”, parece-me que “alguma coisa está fora da ordem…”. Escrita logo após o colapso do bloco soviético (1989–1991), quando se falava muito em uma “nova ordem mundial” — termo cunhado por George H. W. Bush para descrever o novo cenário global sob hegemonia dos EUA —, a canção parece ecoar ainda neste
século, agora em torno dos limites do “politicamente correto”. Aliás, expressão essa que também merece reflexão, principalmente quando o “politicamente” se transforma em “ideologicamente” correto, tornando os adeptos de uma corrente ideológica os juízes morais da sociedade, definindo o que é certo ou errado, o que é verdade ou mentira.

Essa reflexão me veio à mente ao acompanhar, pela mídia, dois casos envolvendo a atuação dos operadores do Direito diante do suposto mau uso da atividade artística por duas figuras públicas.

O primeiro caso é o da condenação do humorista Léo Lins a oito anos e três meses de prisão em regime fechado pela Justiça Federal de São Paulo, por ter feito piadas consideradas discriminatórias contra diversos grupos minoritários, incluindo negros, obesos, indígenas, homossexuais, pessoas com deficiência, entre outros. Além da pena de prisão, ele foi condenado ao pagamento de uma multa de aproximadamente R$ 1,4 milhão e uma indenização por danos morais coletivos de R$ 303,6 mil.

O segundo caso envolve o cantor MC Poze do Rodo, preso temporariamente em 29 de maio de 2025, sob suspeita de apologia ao crime e de envolvimento com o Comando Vermelho. Durante sua triagem no sistema prisional, ele declarou vínculo com a facção, informação registrada em seu prontuário. Suas canções contêm referências explícitas à facção criminosa, armamentos
pesados e confrontos com grupos rivais. Todavia, o artista saiu pela porta da frente da delegacia, aclamado por uma multidão de seguidores.

O que mais me chamou atenção, no entanto, foi a justificativa do magistrado que determinou sua soltura. O desembargador questionou a seletividade da ação policial, apontando que outros artistas com conteúdos semelhantes não foram investigados. Ressaltou ainda a importância da liberdade de expressão como direito fundamental, afirmando que o conteúdo artístico de MC Poze, por si só, não configura crime. Comparou sua situação à de fraudadores do INSS que, segundo ele, permanecem impunes, enquanto “um jovem que trabalha cantando” é preso.

Saudade dos Trapalhões, tempos em que o humor ainda era reconhecido como humor, mesmo quando exagerava, e a maior punição era uma careta do Zacarias ou um cascudo do Dedé. Hoje, um comediante vai parar atrás das grades por palavras, enquanto quem exalta facções criminosas em suas letras é libertado com aplausos e tapinhas nas costas. Como cantou Caetano: “alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial…”. O problema é que, agora, o desajuste não está apenas nas estruturas geopolíticas, está também no juízo moral seletivo, onde a balança da Justiça oscila conforme a ideologia, a popularidade ou a conveniência do momento. A piada perdeu a graça, mas o absurdo continua em cartaz.

*Plauto de Lima

Coronel RR da PMCe e Mestre de Planejamento em Políticas Públicas.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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