“A esquerda precisa reconectar-se com as periferias, tanto geográficas quanto existenciais humanas, ou corre o risco de se tornar tão irrelevante quanto o PSDB”, aponta o ex-vereador Toninho Kalunga. Confira:
Observo com preocupação o cenário político brasileiro, onde o medo parece dominar o campo progressista. A recente repercussão de pesquisas de opinião, como as do Datafolha, transformaram-se em vereditos sumários, como se o processo eleitoral fosse o único objetivo da esquerda.
Embora não tenha sido entrevistado, minha percepção é de que o governo enfrenta dificuldades e não está bem! Essa avaliação, baseada no cotidiano, não me torna um opositor, tampouco me impede de apoiar Lula em 2026. A alta dos preços nos supermercados e postos de gasolina, contrastando com a informação oficial do aumento da renda per capita, gera um sentimento de descompasso.
A matemática da renda per capita, que iguala o salário do trabalhador ao lucro do empresário, não reflete a realidade das contas domésticas. Nessa conta, quando o homem da elite ganha 99, a dona de casa ganha 1, a renda per capita dos dois, é 50!
Lula é um líder político excepcional, mas este terceiro mandato se mostra o mais fraco no sentido da criatividade e da potência dos ministros e ministras. As dificuldades vão além do Congresso Nacional, dominado por uma extrema direita agressiva e um centrão oportunista. O problema reside na própria falta de rumo da esquerda.
O PT demonstra uma passividade preocupante. A comunicação com a base eleitoral é falha, e a ação política interna é negligenciada. Parlamentares e dirigentes, com suas honrosas exceções, parecem priorizar seus interesses individuais, em detrimento da construção partidária. O que demonstra isso é que não existe uma agenda dos diretórios nacional e estaduais para os parlamentares que faça com que estes se submetam ao planejamento coletivo e não apenas aos seus interesses de mandatários.
A crítica interna é reprimida e tratada como inimiga, como por exemplo, ser contrário a enxurrada de novas filiações, desprovidas de vínculo político e até mesmo eleitoral com o PT, obscurecem o debate ideológico e corrompem a representatividade interna, deixando de lado, figuras emblemáticas e pondo no lugar gente sem nenhuma expressão interna na direção partidária!
Há décadas, o PT não promove um debate teórico aprofundado sobre seu campo ideológico. A definição de socialismo, social democracia ou trabalhismo é urgente. No século XXI, o partido precisa explorar novas teorias, como ecossocialismo, feminismo e antirracismo, para além das pautas identitárias.
O distanciamento das bases é evidente. A militância tradicional se esvaiu, e a política se tornou refém das emendas parlamentares. A indignação com a postura do governo, exemplificada pelo justo e necessário combate do ministro Flávio Dino contra a falta de transparência das emendas parlamentares, evidencia a fragilidade da articulação interna. A extrema direita, por sua vez, utiliza recursos públicos para consolidar seu poder, enquanto a esquerda negligencia a denúncia de seus desmandos.
A mobilização popular foi substituída por uma lógica de mandatos individuais. O debate político interno definhou, cedendo espaço aos interesses eleitorais. O poder, efêmero e ilusório, escapa de nossas mãos.
É imperativo um exame de consciência. O excesso de lideranças e a escassez de liderados refletem a falta de um projeto coletivo. A experiência do passado não garante o futuro, e a arrogância juvenil não substitui o trabalho de base e a experiência dos cabeças brancas, ao mesmo tempo, negligenciar a juventude e não abrir espaços de direção para as novas gerações é um erro mortal para um partido que pretende ser de esquerda.
Nos diretórios municipais, a rivalidade interna impede a construção de consensos. Às vezes nos comportamos mais como inimigos íntimos, do que como companheiros e companheiras de caminhada. Nos diretórios estaduais, a burocracia afasta a militância. A proposta de limitação de mandatos, embora válida, carece de um plano de renovação de quadros. Quem propôs não mexeu uma palha em 12 anos para construir esta formação, então, sendo um partido fraco, uma executiva consegue derrubar uma decisão congressual sem reações da base!
A criação de coordenadorias de macrorregião em São Paulo se mostrou ineficaz, servindo muito mais aos interesses de alguns parlamentares, do que a dinâmica da organização do Partido nos territórios.
A pluralidade, pilar da esquerda, é sufocada por lideranças despreparadas dentro dos nossos diretórios regionais que por esta razão, se tornam autoritárias e nem sempre isso é fruto da personalidade dos indivíduos.
Isso é consequência da nossa incompetência de ter uma estrutura partidária, como essa que temos e que permitimos que nossa direção ter aberto mão de conceitos como a busca pela Utopia, a solidariedade como ferramenta e alma da ação entre companheiros e companheiras e principalmente a clareza do motivo pelo qual surgimos e existimos enquanto militantes de esquerda, que é o combate contra o sistema econômico capitalista que sustenta e protege a Extrema Direita e a Direita política!
A isso foi dado o nome de luta de classes, hoje muitos de nós querem estar na classe social que oprime! Sabe aquela frase que o sonho do oprimido é ser opressor… Então!
A derrota eleitoral no interior de São Paulo e nos rincões do Brasil afora é consequência direta dessa falta de compreensão sobre o nosso papel!
Quanto mais o PT se assemelhar à Direita e ao Centrão, mais o povo e a classe média que compreende o significado de ser de esquerda, vai se afastar de nós!
O atual modelo do PT , do ponto de vista da Libertação e de uma proposta de esquerda é um modelo falido. Ou mudamos isso, ou o nosso caminho é a ruína!
A esquerda precisa reconectar-se com as periferias, tanto geográficas quanto existenciais humanas, ou corre o risco de nos tornarmos tão irrelevantes quanto o PSDB.
*Toninho Kalunga
Ex-vereador do PT em Cotia. Foi coordenador Estadual de Formação Política do Diretório Estadual do PT/SP. Cristão católico ligado aos Orionitas no Santuário São Luís Orione.