Com o título “O Desfile e a Memória”, eis artigo de Gera Teixeira, empresário, neste 7 de Setembro.
Confira:
Assistindo a uma rápida transmissão do desfile de 7 de setembro, vieram-me lembranças do ano de 1970. Naquele tempo, havia uma comissão local das forças armadas do regime vigente que visitava os colégios para “convidar” os alunos a se fazerem presentes nos desfiles comemorativos da chamada independência do Brasil. Eu estudava no Colégio Batista e me recordo de Mr. Davis, exemplar educador, que com sua fleugma diplomática transmitiu aos alunos, em fala permeada de sentimento de liberdade, a conveniência de aceitarmos o convite. Assim, como os demais colégios particulares, participamos da efeméride.
O contexto era marcado pela intensidade da propaganda do regime. Alegorias musicais como Eu te Amo Meu Brasil, de Dom e Ravel, ecoavam em todas as rádios, acompanhadas de chavões como Brasil, Ame-o ou Deixe-o. Havia um ambiente favorável na conjuntura internacional e um controle rígido sobre o erário, o que, por certo período, propiciou uma aparência de prosperidade. Esse ciclo se sustentou até a inesperada crise do petróleo, que atingiu a economia mundial e revelou a fragilidade do modelo.
A censura, ao contrário do que ocorre hoje, não era velada. Era explícita, direta, sem máscaras. O regime de exceção fazia uso ostensivo dos atos institucionais para exercer seu autoritarismo e ditar regras próprias. Não havia necessidade de disfarces judiciais ou teatralizações para justificar medidas de exceção. O chamado “Brasil soberano” não fazia parte de uma encenação discursiva. Era sustentado pela força e pelo alinhamento internacional, numa época em que o fenômeno China ainda não existia como potência e Cuba era apenas a vitrine enganosa plantada pela União Soviética.
Olhando para os tempos atuais, a história parece repetir-se. Mudam os atores, mudam as narrativas, mas o modus operandi permanece. A manipulação da linguagem, a utilização de símbolos nacionais como instrumento de poder e a imposição de uma visão única de mundo continuam a moldar a vida política do país. Ontem eram marchas e slogans, hoje são espetáculos e encenações de soberania.
Quanto à independência em si, pouco mudou. Continuamos subjugados às tramas e aos ardis que favorecem uma minoria enquanto a massa de miseráveis cresce de forma exponencial. A celebração do 7 de setembro, que deveria ser símbolo de emancipação e esperança, repete-se como ritual que oculta desigualdades. É como se a independência fosse sempre promessa e nunca realidade.
O desfile passa, as bandeiras tremulam, os discursos se sucedem, mas a pergunta persiste: que independência é essa que nunca alcança o povo?
*Gera Teixeira
Empresário.