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“O desejo de pertencer” – Por Suzete Nocrato

Suzete Nocrato é jornalista e mestre em Comunicação Social da UFC. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “O desejo de pertencer”, eis artigo de Suzete Nocrato, jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará. Ela aborda essa febre absurda por morango do amor.

Confira:

No último fim de semana, presenciei uma cena inusitada em uma confeitaria da cidade: duas senhoras elegantes — bem-vestidas, cabelos impecáveis, bolsas de grife — discutiam acaloradamente pelo último kit disponível de uma guloseima. Irredutíveis, cada uma insistia que havia chegado primeiro e, portanto, era a legítima dona da ‘preciosidade’. A situação beirava ao surreal. Para convencer a plateia improvisada, envolviam funcionários e até outros clientes na disputa.

O motivo do embate? O morango do amor — um doce que une a acidez da fruta fresca à doçura do brigadeiro, finalizando com uma crosta crocante de açúcar. Uma releitura moderna da clássica maçã do amor. Nada de extraordinário. Mas, depois de cair nas graças do algoritmo das redes sociais e viralizar no TikTok e Instagram, a sobremesa virou febre no Brasil.

Esse “fenômeno culinário” ganhou destaque em vídeos e em tutoriais de influenciadores digitais que o experimentavam diante das câmeras ou se aventuravam a reproduzi-lo em casa. Bastou uma mordida captada pela lente do celular para que a sobremesa se transformasse em símbolo de tendência, atravessasse as plataformas digitais e ganhasse destaque em telejornais e capas de jornais país afora.

O morango caramelizado virou objeto de quase devoção, numa espécie de surto coletivo. No trabalho, em reuniões e até nas conversas mais banais de família, o assunto é o tal doce. Nada contra — não o provei e, sinceramente, tampouco sinto vontade. Ao falar do meu desinteresse para um grupo de amigas fui duramente criticada. Para algumas delas, era inadmissível que eu não tivesse, pelo menos, a curiosidade de prová-lo. Corri o sério risco de ser cancelada.

Com poderia não ter me rendido aos encantos dessa nova obsessão? O problema é que amanhã pode ser uma pipoca com essência de lavanda ou uma pamonha com pimenta. Sabe-se lá.

Comentei com uma amiga a cena da briga das senhoras, e ela contou que a mãe dela saiu mais cedo do trabalho só para experimentar o tal doce. Depois de visitar três confeitarias sem sucesso, conseguiu encontrar a última unidade disponível em uma loja a quilômetros de casa. O desfecho foi irônico: na pressa de experimentar, acabou quebrando um dente. A amiga também provou. E não gostou.

A cada nova menção sobre essa “febre do morango”, penso sobre o que leva tantas pessoas a cruzarem a cidade, enfrentarem engarrafamentos e aguardarem por horas em cafeterias só para garantir a sobremesa tão alardeada.

Talvez, no fundo, elas não estejam atrás apenas de um morango coberto de açúcar. O que está em jogo pode ser a necessidade de pertencer, de fazer parte de um momento coletivo. Porque, às vezes, até um doce carrega o peso simbólico da inclusão — mesmo que isso implique pagar um preço amargo, entre R$ 17 e R$ 20 por unidade.

No fundo, o que buscam nem sempre é o doce, o prazer ou a recompensa. O que realmente querem é o alívio de não estar de fora.

*Suzete Nocrato

Jornalista e Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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