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“O dólar, o Drex e o desafio de criar uma alternativa global” – Por Alex Araújo

Alex Araújo é economista, ex-secretário de Desenvolvimento Regional do Estado do Ceará e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços. Foto: Arquivo pessoal

Com o título “O dólar, o Drex e o desafio de criar uma alternativa global”, eis artigo de Alex Araújo, economista, ex-secretário estadual de Desenvolvimento Local e Regional e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços.

Confira:

O dólar consolidou sua posição como a principal moeda internacional não apenas por força da economia americana, mas pelo acúmulo de confiança ao longo de décadas. O sistema inaugurado em Bretton Woods, em 1944, colocou o dólar no centro da ordem financeira, ancorado inicialmente no ouro. Mesmo com o fim da conversibilidade em 1971, a moeda manteve sua primazia, reforçada pela liquidez dos mercados de capitais dos Estados Unidos, pela solidez institucional do Federal Reserve e pela associação com o comércio de petróleo e commodities.

A cada crise global — da inflação dos anos 1970 à crise financeira de 2008, passando pelas guerras e turbulências geopolíticas — o dólar não perdeu relevância, mas ganhou. Sua força vem da capacidade de absorver choques e da falta de alternativas com liquidez comparável. Hoje, mais de 80% das transações cambiais envolvem o dólar e cerca de 60% das reservas globais permanecem denominadas nessa moeda.

As moedas digitais e a promessa de alternativas ao dólar

Nos últimos anos, as moedas digitais emitidas por bancos centrais (Central Bank Digital Currencies ou CBDCs) surgiram como possíveis instrumentos para remodelar o sistema financeiro global. A ideia central é simples: criar versões digitais de moedas nacionais, mais baratas, rápidas e automatizáveis, capazes de integrar sistemas de pagamento em escala internacional.

O Brasil aposta no Drex como exemplo. O projeto é ambicioso: tornar-se o sucessor do Pix, ampliando o alcance para contratos inteligentes, liquidação de ativos e, no futuro, integração com moedas digitais de outros países do BRICS. O discurso é de inovação, eficiência e redução da dependência do dólar.

Apesar de todo esse potencial, transformar essa promessa em realidade internacional exige superar obstáculos profundos — técnicos, institucionais e geopolíticos. Assim, o Drex ilustra bem a distância entre o potencial e a viabilidade: enquanto no plano doméstico pode acelerar a digitalização financeira e trazer ganhos importantes de eficiência, no cenário internacional ainda enfrenta barreiras que limitam sua capacidade de se tornar uma alternativa relevante.

Embora o Drex seja lastreado no real, isso apresenta desafios particulares em relação à confiança internacional. Por se tratar de uma moeda de uma economia emergente, o real está sujeito à volatilidade e pressões fiscais, o que restringe significativamente a aceitação do Drex fora do Brasil. Diferente do dólar, que atua como reserva global e tem ampla aceitação, o Drex encontra obstáculos para conquistar credibilidade no cenário internacional.

Outro ponto crítico está na escala e na interoperabilidade. Para que o Drex seja utilizado em transações internacionais, é necessário que ele seja compatível com outras moedas digitais emitidas por bancos centrais, como o yuan digital ou o rublo digital. Isso requer a adoção de padrões técnicos comuns e a construção de acordos políticos entre países que, muitas vezes, possuem prioridades divergentes e alinhamentos distintos, dificultando o avanço de uma solução integrada.

A solidez das instituições e dos mecanismos de governança é outro fator fundamental. A força do dólar está diretamente relacionada à profundidade do mercado de capitais dos Estados Unidos e à credibilidade de suas instituições. Para que o Drex atinja relevância global, seria preciso desenvolver arranjos multilaterais robustos, especialmente entre os países do BRICS, algo que ainda está longe de se concretizar.

Além disso, há preocupações relacionadas à segurança e privacidade. Os sistemas digitais ampliam o risco de ciberataques e trazem dilemas importantes sobre a proteção de dados e a interferência política. A confiança dos agentes internacionais dependeria da capacidade dos sistemas de Drex de garantir proteção eficiente contra falhas técnicas, invasões e intervenções externas indesejadas.

Por fim, há o desafio da inclusão e da infraestrutura. Mesmo dentro do Brasil, ainda existem regiões marcadas pela exclusão digital e dificuldades de acesso aos serviços financeiros. Nos países parceiros, essas barreiras podem ser ainda maiores, dificultando a adoção ampla e eficaz do Drex como alternativa viável para o sistema financeiro internacional.

A proposta russa de criar um sistema de pagamentos global lastreado em ouro parte de outra lógica: usar um ativo físico, aceito historicamente, como alternativa à moeda americana. A ideia responde às sanções impostas desde 2022 e busca blindar o comércio internacional de interferências políticas. Apesar de seu apelo simbólico, a proposta enfrenta entraves semelhantes. O ouro tem liquidez limitada para sustentar transações trilionárias em tempo real. Além disso, a coordenação política entre países do BRICS é complexa. O que se apresenta como alternativa pode se revelar pouco flexível e difícil de escalar.

O que falta para reduzir a hegemonia do dólar

O dólar tornou-se dominante porque reuniu três condições que ainda não foram replicadas por nenhuma alternativa: escala, confiança e antifragilidade. A escala do dólar é visível na profundidade e liquidez dos mercados financeiros norte- americanos. Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, por exemplo, são considerados o padrão global de ativos seguros e servem como referência para
negociações em todo o planeta.

Empresas multinacionais e governos conduzem operações trilionárias em dólar diariamente, pois sabem que há sempre compradores e vendedores para grandes volumes, e que os fluxos podem ser absorvidos sem criar instabilidade excessiva. Nenhuma outra moeda, até hoje, conseguiu construir mercados tão grandes e acessíveis internacionalmente, o que mantém o dólar indispensável para transações globais.

Confiança é outro pilar fundamental da hegemonia da moeda americana. A força histórica das instituições dos Estados Unidos, a previsibilidade das regras e a tradição de respeito aos contratos alimentam a credibilidade do dólar.

Bancos centrais de todo o mundo mantêm reservas expressivas em dólar, apostando na estabilidade política e econômica do país. Mesmo em períodos de incerteza, como crises financeiras ou tensões geopolíticas, agentes internacionais recorrem ao dólar como refúgio seguro, confiando que poderão acessar e utilizar seus recursos sem risco de perda arbitrária.

Por fim, a antifragilidade do dólar manifesta-se na capacidade de evoluir e até se fortalecer diante de crises. Em 2008, por exemplo, durante a crise financeira mundial, foi o dólar que absorveu o choque e consolidou ainda mais sua posição central. As instituições americanas, apesar dos desafios, conseguiram orquestrar respostas rápidas e eficientes, restaurando a confiança global no sistema.

Em vez de perder relevância, o dólar saiu das turbulências reforçado, reafirmando o papel de moeda central para o comércio e as finanças internacionais. Essa resiliência, aliada à escala e à confiança, ajuda a explicar por que o dólar segue ocupando o centro do sistema global.

O Drex, assim como outras CBDCs, enfrenta o desafio de construir essas condições em um ambiente digital e fragmentado. Para avançar, precisará não apenas de tecnologia, mas de arranjos multilaterais sólidos, mecanismos de governança confiáveis e, sobretudo, confiança internacional.

As moedas digitais de bancos centrais, como o Drex, representam um passo importante para a modernização do sistema financeiro. Elas podem reduzir custos de transação, ampliar a inclusão e oferecer novas ferramentas de automação. Mas a ambição de substituir o dólar exige mais do que tecnologia. Exige confiança, liquidez e resiliência.

Enquanto esses desafios não forem superados, o dólar continuará a ocupar o centro do sistema internacional. O Drex, e outras iniciativas semelhantes, podem ser ensaios importantes nesse caminho — mas ainda estão longe de oferecer a alternativa robusta que o mundo procura.

*Alex Araújo

Economista, ex-secretário estadual de Desenvolvimento Local e Regional e atual diretor de Negócios da Camed Microcrédito e Serviços.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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