“Com o apoio social, não há dúvidas de que a punição de víboras do período militar de 1964 pode acontecer”, aponta o advogado e escritor Marcelo Uchôa
Confira:
Laureado no mundo inteiro em inúmeros festivais de cinema, o filme “Ainda Estou Aqui” retratando a luta de Eunice Paiva para saber a verdade sobre o desaparecimento do esposo, ex-deputado Rubens Paiva, por agentes da ditadura, alcançou feito histórico para o Brasil ao ser indicado à disputa de três categorias no Oscar deste ano: melhor filme, melhor filme estrangeiro e melhor atriz com a brilhante Fernanda Torres.
O reconhecimento não poderia ocorrer em melhor momento. Recente pesquisa DataFolha indicou que 62% dos brasileiros são contra a anistia para os golpistas do 8 de janeiro de 2023. A hashtag #semanistia está na boca do povo, sinal evidente de que entre a ditadura e a democracia os brasileiros preferem o sistema democrático.
Na Comissão de Anistia há uma sinergia muito importante entre o acolhimento popular ao filme e um novo ciclo no colegiado. Recentemente, em fraterno rodízio, foi nomeada à presidência a procuradora federal aposentada Ana Maria Oliveira. Ana Maria é a decana da Comissão. Acompanha seus trabalhos desde a instalação nos idos de 2002, com breve período de afastamento durante o governo passado, quando se tentou fulminar por completo as atribuições do órgão.
Se a gestão da presidenta Eneá de Stutz e Almeida foi marcada pela retomada dos trabalhos e pelo fortalecimento de novas competências, a exemplo da anistia coletiva, a gestão de Ana Maria, sob os auspícios da legitimação popular por memória, verdade e justiça tem o potencial de se firmar, ainda mais, como restaurador da verdade histórica nacional.
Anos atrás, um medíocre deputado federal Jair Bolsonaro cuspiu no busto de Rubens Paiva inaugurado em galeria em sua homenagem no Congresso Nacional. Hoje, o filme sobre a vida do parlamentar maculado e a luta de sua família cai nas graças da população, mostrando que a tolerância com os adeptos da ditadura e os arbítrios dela decorrentes é zero.
A propósito, em Fortaleza, a vereadora educadora Adriana Almeida (PT) apresentou projeto legislativo para que o livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, que deu origem ao filme, seja incluído no acervo literário das escolas municipais. Trata-se de medida que deve ser copiada em mais e mais municípios em todo Brasil para que o apoio à criminalização da ditadura seja amplificado.
Em dezembro do ano passado, o ministro do STF Flávio Dino recebeu, em recurso, denúncia do Ministério Público concedendo, ato contínuo, interpretação inovadora sobre a Lei da Anistia de 1979. Na esteira do filme, decidiu que o instituto da anistia não pode ser aplicado a crimes de natureza permanente cujos efeitos se estendem até o presente, como ocultação de cadáveres. Nada mais justo! A matéria irá brevemente ao Plenário para definição final.
Com o apoio social, não há dúvidas de que a punição de víboras do período militar de 1964 pode acontecer. É aí que também entra a importância da Comissão de Anistia sob a presidência de Ana Oliveira. Sua dedicação histórica ao tema, sua experiência e dinamismo manterão certamente o assunto sob os holofotes sociais. Será a cereja do bolo para que a temática não só não caia no esquecimento como receba, ainda mais, o amplo apoio nacional.
*Marcelo Uchôa
Advogado, escritor e professor de Direito.