Com o titulo “O Imaterial é Eterno”, eis mais um conto da lavra de Totonho Laprovitera, arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.
“Não existe grandeza onde não há simplicidade, bondade e verdade.” (Tolstói)
Confira:
O que não se pega com a mão, nem se mede com o tempo, é coisa que não se acaba nunca. Na alma nordestina, o imaterial é o que fica: a ideia, a fé, a lembrança boa, a saudade que vira cantoria. Essas coisas não têm corpo, mas têm tutano. E quem carrega essa força verdadeira, vive é para sempre.
Num sertão de pensamentos, onde as pedras cochicham segredos ao vento e o sol acorda mais cedo só para assistir o povo sonhar, vivia um homem chamado Chico Simplício. Não era santo, nem padre, nem doutor, mas sua fala tinha a firmeza de quem compreende o mundo e o silêncio do universo.
Chico Simplício andava de pés descalços pelas estradas de barro. No bolso, carregava um pedacinho de espelho, uma fita desbotada e uma moedinha sem valor – só para lembrar que a verdadeira importância das coisas não está no peso, mas no que elas significam.
Numa roda de conversa, certa vez, um cabra novo, cheio de leitura e diploma, quis zombar do velho: “Ô mestre, e se tudo que a gente ama for só invenção da cabeça? Se alma for só conversa pra consolar o medo?”
Chico Simplício coçou o quengo, espiou o céu e respondeu com a mansidão de quem já viu muita chuva virar lama e depois poeira: “Pois eu lhe digo: o que é de carne, apodrece. O que é de alma, permanece. Vê se lembra da mão que lhe acolheu na infância. Aquilo passou? Num passou, não. O cheirinho do feijão da sua mãe, a risada do seu avô, o canto do passarinho que lhe acordava… tudo isso é invisível – e ainda mora em você. O que é imaterial é o que não morre.”
O povo calou. Só a aragem respondeu, levantando a poeira da estrada como se o aplaudisse em silêncio.
Chico Simplício dizia que possuía dois sertões: o de fora e o de dentro. O sertão de fora era marcado pela seca, pelos espinhos e pelo esquecimento. O de dentro era cheio de fé, lembrança e ternura inapagável. Nesse sertão invisível ele vivia a maior parte do tempo. De lá tirava histórias, conselhos e sorrisos, deixados espalhados feito sombra de quixabeira verde em dia quente.
Quando Chico Simplício partiu, não teve reza encomendada nem retrato em moldura dourada. Mas cada casa guardava um pedacinho dele: um dito, uma bênção, um gesto. O povo dizia: “Chico Simplício se foi, mas ficou em cada um de nós.”
E ficou mesmo. Porque o imaterial é eterno. Aqueles que vivem como ele – plantando afeto em chão batido – continuam a florir no coração do povo, mesmo depois que o corpo vira poeira.
*Totono Laprovítera
Arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.