“O mercado vai reclamar. E daí?”

Professor Rafael Slva será o presidente da CDH/UFC. Foto: Arquivo Pessoal.

Com o título “O mercado vai reclamar. E daí?”, eis artigo de Rafael Silva dos Santos, doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal do Ceará. Para ele, o problema do mercado em não reconhecer avanços e índices da economia no atual governo é “ideológico”.

Confira:

Não há nada que possa crescer infinitamente. No entanto, o mercado vai reclamar quando não houver crescimento econômico; havendo, reclamará do tamanho; sendo robusto, reclamará da qualidade; atendendo a todas estas condições, irá reclamar do modelo do crescimento. Ou seja, o problema do mercado é ideológico. Sim, ele é ideológico. Isso fica cada vez mais claro quando suas vozes aplaudiram o crescimento de 3,0% do governo Bolsonaro em 2022, mas se mostrou relutante com os números de 3,4% do atual governo.

Na prática, a pergunta correta é outra: é possível crescimento econômico infinito? Há compatibilidade entre crescimento infinito e democracia? Ou uma pergunta mais elaborada seria: a quem serve o crescimento econômico infinito?

Quem está atento ao país, percebe com certa facilidade o caos que o mercado desenha a cada anuncio econômico. A grande mídia faz o papel de auto falante da Faria Lima, apontam para a inflação como se fosse esse o grande problema nacional, e todos reproduzem a plenos pulmões: AJUSTE FISCAL!

Seria muito feio pedir ajuste para pagar juros. Então, os argumentos se voltam para conter a inflação. Aqui o princípio da moderna economia chamada curva de Phillips não significa nada (quanto mais próximo uma economia estiver do pleno emprego, maior será a inflação) e apelam para a elevação da taxa de juros para conter a inflação, com consequência direta na vida pública da população, de modo especial dos mais pobres, pois tal elevação impõe ao governo pagar mais juros a quem compra seus títulos.

Para pagar juros o governo deixa de construir uma linha de metrô numa determinada cidade. Isso afetará a indústria de base. Quem produz o ferro, por exemplo. A construtora que faria a obra, demitirá pessoas. O mercadinho próximo à construção,dispensará seus empregados. A empresa de transportes, responsável pelo deslocamento dos funcionários, cessará as atividades. Num cenário de juros altos, os trabalhadores perdem seus empregos, e a sociedade fica sem o transporte urbano. Seria o mesmo se a obra fosse um hospital, uma escola, ou uma universidade pública.

Nesse cenário de contração econômica, estima-se que a elevação em 0,5% na Taxa de Juros, liquide aproximadamente meio milhão de empregos. No entanto, haverá uma meia dúzia de pessoas beneficiadas. Esse grupo que tem gordas contas bancárias, odeiam pagar impostos, compram títulos públicos, lucram com juros altos. E paradoxalmente adoram crescimento infinito da economia: chama-se mercado. Ora!

Com baixos níveis de empregos, portanto baixa arrecadação, associada a maior obrigação com os juros, resta ao governo, encurralado, o caminho único do ajuste fiscal. De fato, há de se esperar de qualquer governo sério o equilíbrio das contas públicas. Um gestor público, por imperativo ético deve agir com senso de responsabilidade. Em tempo, consta nos dados oficiais que em 2024, o governo federal teve um déficit primário (gastou mais do que arrecadou) próximo a R$ 43 bi. Esse montante é composto de R$ 11 bilhões do governo, e R$ 32 bilhões enviados para amenizar os efeitos da calamidade ocorrida em Porto Alegre. Alguém é contra?

Pois bem, à primeira vista ninguém discorda do “necessário” ajuste fiscal. Mas a pergunta é outra: onde realizar o ajuste? Para responder à está pergunta é preciso voltar ao argumento da taxa de juros. Segundo os pesquisadores da área a dívida pública subiu 12% em 2024. Em parte, foram para os donos da construtora, da mineradora e da empresa de transporte do nosso exemplo acima, que no ano passado achacaram algo em torno de R$ 950 bilhões de reais. (dinheiro meu, seu, nosso).

Logo o primeiro movimento seria baixar a taxa de juros como fazem as economias civilizadas? De forma concreta, sim. Mas, a está altura vamos supor que esse seja um movimento difícil de argumentar, e que realizar corte no orçamento (ajuste fiscal) seja a saída plausível. Então vamos ao ajuste! Ora, não seria mais honesto cortar parte dos 30 bilhões em isenções e renúncia fiscal dadas ao agronegócio? Não acham que melhoraríamos se reduzíssemos os 25 bilhões do orçamento secreto, criado no governo Bolsonaro, que o congresso utilizou, sabe-se Deus, como? Para 2025 está previsto 50 bi. Não seria mais responsável, para não dizer honesto, reduzir os R$ 111 bi de incentivos fiscais e benefícios ao setor privado, especialmente para a indústria das armas? Não
obstante, querem cortar, portanto fazer o ajuste fiscal no Benefício de Participação Continuada – BPC, que paga 1 salário mínimo a pobre viúva. A soma disso gira em torno de apenas R$ 5,9 bi por ano.

Veja que a conta é simples: a reclamação do “senhor” mercado insiste em afirmar que o crescimento econômico foi pequeno, e que a inflação está alta porque o governo gastou R$ 43 bi a mais do que arrecadou. Por isso precisa fazer ajuste fiscal! Mas, no BPC e não nos R$ 950 bi pagos em juros. Muito menos nas benesses concedidas à inciativa privada. Como se não bastasse, o centrão não aceita negociar as emendas secretas enviadas via PIX para suas bases eleitorais.

Historicamente, somos conhecidos por acomodarmos privilégios. Mas, não acham um pouco demais?

Isso tudo influência a correlação de forças políticas, quando o ganho é exatamenteproporcional ao tamanho da força. A teoria marxista já explicou, e quem melhor entendeu foram as bancadas do boi, da bíblia e da bala. Não, me refiro somente aosdeputados destas correntes, estes são apenas marionetes do sistema. Refiro-me efetivamente a quem os financiam. Estes sim, são os larápios do processo. Do outro lado, na esquerda há quem compreenda a correlação de forças políticas, mas ao contrário dos primeiros, são diariamente escrachados na opinião pública.

Por Deus… precisamos aceitar que o crescimento infinito da economia é incompatível com a lógica natural das coisas. Ah, mas o mercado, vai reclamar… Todavia, é impossível conciliar o crescimento infinito, com a democracia e a sustentabilidade ecológica. Como já me referi em outro texto “o desenvolvimento econômico de crescimento infinito, não está em crise, ele é a crise.” Então, que o mercado reclame… E daí?

*Rafael Silva dos Santos

Doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal do Ceará.

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