O Novembro Azul e a oportunidade de sermos menos homens

Marcos Robério Santo é jornalista. Foto: Arquivo Pessoal.

Com o título “O Novembro Azul e a oportunidade de sermos menos homens”, eis artigo do jornalista Marcos Robério. Ele aborda a campanha de prevenção ao câncef da próstata e tantos preconceitos. Confira:

Novembro azul é a campanha anual, iniciada no Brasil em 2011, que busca incentivar os homens a fazer o exame da próstata – glândula localizada na frente do reto e abaixo da bexiga de indivíduos do sexo biológico masculino. Em muitos casos, para um melhor diagnóstico, o médico introduz um dos dedos no ânus do paciente, a fim de averiguar aspectos como tamanho e textura da glândula. Para reduzir a resistência ao exame, costumamos, direta ou indiretamente, defender a ideia de que submeter-se a esse procedimento “não faz de ninguém menos homem”. Particularmente, considero que isso faz de nós menos homens, sim. E esse fato deveria ser visto como algo positivo.

Convenhamos: o padrão masculino construído ao longo da história está longe de ser motivo de orgulho para nós. Pelo contrário. O ser do homem, cuja referência é a imagem do macho hétero, forte, viril, provedor, inabalável, tem tido um efeito perverso sobre o mundo e sobre nós mesmos enquanto indivíduos.

Foi com esse padrão que aprendemos a naturalizar a violência como forma de “resolver” conflitos, a se afastar da natureza como se dela não fôssemos parte, a negligenciar o corpo como forma de expressão, a calar sobre sentimentos, a não demonstrar afeto, a não assumir fraquezas, a não cuidar – nem da casa, nem do outro, nem de si. É também o mesmo padrão que está por trás do assédio, do estupro e da morte de milhares de mulheres e de pessoas LGBTQIA+ todos os anos. E essa lista de horrores poderia ir muito mais longe. O mundo construído sob a égide do homem produziu a crise generalizada do nosso tempo.

Sendo assim, que razões temos para querer cultivar tão intacta a nossa imagem de homem? Qual a justificativa plausível para insistirmos em sustentar um arquétipo que tem se demonstrado tão prejudicial e tão restritivo às possibilidades de existência? Não faria mais sentido aproveitarmos ao menos algumas das oportunidades que a vida nos dá de nos tornar menos homens? Não seria nossa próstata um bom ensejo para baixar essa guarda, tirar essa máscara, sair desse personagem cujo papel é tão problemático?

Continuamos vivendo a ilusão de que ser homem bastaria, como canta o Gil em “Super-Homem”. Porém, diferentemente do eu lírico da canção – que descobre que sua “porção mulher” é a melhor que agora possui –, em geral ainda não estamos propensos a tal ousadia.

A música brasileira, aliás, é fértil em retratar que, mesmo quando cedemos um pouco e nos permitimos sentimentos e atitudes menos associadas ao típico comportamento masculino, temos dificuldade em nos desapegar dessa armadura. Em “Masculino e Feminino”, por exemplo, Pepeu Gomes diz: “Ser um homem feminino não fere o meu lado masculino”. Caetano, por sua vez, na música “Homem”, canta de forma jocosa para dizer que não tem inveja de nada do que é característico das mulheres, apenas “da longevidade e dos orgasmos múltiplos”.

Ainda na MPB, talvez o máximo que já conseguimos em termos de confissão de vulnerabilidade masculina foi com Gonzaguinha em “Um homem também chora”. O homem ali exposto é “frágil”, “precisa de carinho, precisa de ternura, precisa de um abraço”, “precisa de descanso, de remanso, de sono”, e se “humilha, berra e sangra”, “pois ama e ama”. Mas ainda assim, parte-se da imagem clássica do “homem guerreiro”, que carrega o fardo “da barra do seu tempo por sobre seus ombros”, o provedor que “sem o seu trabalho, não tem honra”.

É nesse contexto que, quanto mais nos libertarmos dessas amarras, mais condições teremos de dar vazão a outras formas de ser e de existir enquanto homens. Por isso, tudo o que nos ajude a desfazer essa condição duplamente opressora (pois oprime a nós e a toda a sociedade) é bem-vindo. E assim poderão, quem sabe, surgir outras referências, outros modelos, outras sociabilidades possíveis. Tornar os homens menos homens, enfim, deveria ser uma das grandes metas desta e das próximas gerações. Por isso, sejamos menos homens e façamos o exame da próstata.

Em tempo: o câncer de próstata é o segundo tipo que mata mais homens no Brasil, atrás apenas do câncer de pulmão. O exame deve ser realizado por todos os homens a partir dos 50 anos de idade (em alguns casos, mais cedo, a depender do histórico do paciente). De acordo com especialistas, caso seja detectado no início, o câncer de próstata tem um percentual de chance de cura de mais de 90%.

DICAS – O documentário “The mask you live in” (“A máscara em que você vive”, em livre tradução), traz uma série de depoimentos de homens e meninos para mostrar o quão danosa é a obrigação de se encaixar no molde do homem forte e de nele permanecer ao longo da vida. Tem no YouTube (link: https://is.gd/Dy3Ish). Outra dica sobre o tema é o episódio “Você nem sabe que tem”, do podcast Imposturas Filosóficas (link: https://razaoinadequada.com/portfolio/203-voce-nem-sabe-que-tem/).

*Marcos Robério Santo

Jornalista.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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