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“O peso da tempestade” – Por Suzete Nocrato

Suzete Nocrato, jornalista e mestre em Comunicação Social pela UFC. Foto: Reprodução

Com o titulo “O peso da tempestade”, eis esta crônica de Suzete  Nocrato, jornalista e mestra em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará. A vida prega peças, mas sempre precisamos apostar em superação.

Confira:

Fim da manhã. O céu prenunciava um temporal na cidade, exigindo providências urgentes para impedir que a água invadisse o supermercado, aberto há pouco mais de um ano. Roberto não podia se dar ao luxo de ter prejuízos. Havia investido ali todo o dinheiro acumulado em anos de trabalho em uma universidade. O negócio nasceu de uma sociedade com o irmão de sua mulher, que entrou com o trabalho e a experiência no comércio.

O cunhado era um homem falante, hábil em conquistar a clientela com gestos delicados e palavras açucaradas. Era o parceiro ideal. Ao sócio cabia responder pela gerência, o contato com os fornecedores e o pagamento dos impostos.

O negócio prosperou e já falavam em ampliar o comércio — talvez abrir uma rede em bairros da periferia. Tudo indicava sucesso. Nos fins de semana, as famílias se reuniam à mesa de um bom restaurante, traçando planos de viagem, passeios e festas.

Pareciam um só núcleo, uma só família. E, por um tempo, foram.

Mas, naquela quarta feira cinzenta, o trovão que ecoou do céu encontrou eco na vida de Roberto e ressoava por quinze anos.

Em meio ao aguaceiro que tomava ruas e avenidas, chegaram fiscais cobrando uma dívida de impostos atrasados. Teria quarenta e duas horas para quitar o débito, sob pena de ver o sonho ruir. Irritado, protestou. Era um homem honesto, dizia. Tinha certeza de não dever nada ao Estado.

Antes do choque se dissipar, outra visita. Desta vez, um agiota cobrando um empréstimo em nome do supermercado. Atônito, negou a dívida. Ameaçado, prometeu pagar no dia seguinte. Sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Só o cunhado poderia explicar aquele pesadelo. Tudo não passava de um engano.

Correu até a sala da gerência, coração em descompasso. O sócio estava lá, tranquilo, folheando uns papéis, como se nada de anormal estivesse acontecendo. Ao ser confrontado, respondeu que havia usado o dinheiro para comprar um imóvel e que o sócio pagasse as dívidas.

A frase caiu como um raio. Sua segurança foi embora e, por um instante, sentiu um desejo contido de reagir, fazer justiça, mas lhe faltava coragem até para o ódio. Buscou amparo na mulher e nos filhos adolescentes. Encontrou indiferença. Culparam-no pelo fracasso e o expulsaram de suas vidas. Em poucas semanas, estava falido, sem emprego e sem a família que se orgulhava de seu orgulho. Os irmãos se afastaram. As amizades evaporaram. Restou-lhe apenas a solidão. É assim que se sente uma pessoa no oco de sua ausência.

A sua capacidade de dar o fez perder, e a vergonha tomou conta de seu ser. Caiu em uma depressão profunda. Sobreviveu de favores, de pequenos bicos, de migalhas de compaixão. Para ele, não havia mais esperança. A vida o abandonara de forma cruel.

Anos se arrastaram nessa travessia amarga, entre a sobrevivência e o esquecimento. Um dia, por acaso, cruzou na rua com o ex-sócio, que estava próspero, sorridente e sem sombra de culpa. Quiz confrontá-lo, mas o corpo paralisou. Uma dor lancinante se apoderou de cada célula, e ele se curvou diante da própria derrota que o acompanharia por anos.

Mas o tempo, paciente, também sabe reconstruir ruínas. Um emprego surgiu como um fio de esperança em uma cidade distante. E ele foi levando uma mala, um coração gasto, as orações e um fio de esperança. Hoje, está tentando refazer sua história, com novos amigos, amores e a esperança de reencontrar os filhos. Carrega a fé de não os ter perdido e que, quando o perdão chegar, as mágoas se dissolverão no caminho, como a chuva quando o sol retorna.

*Suzete Nocrato

Jornalista e mestra em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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