“No Ceará, o riso fácil de outros tempos tem sido substituído pelo semblante preocupado e pelo andar apressado das pessoas, vítimas dessa fobia pública”, aponta o coronel RR da PMCE, Plauto de Lima
Confira:
O medo é um sentimento difícil de definir. Sentimos medo quando estamos próximos a um precipício ou quando o zagueiro do nosso time insiste em driblar o atacante rival nos últimos minutos de uma partida decisiva. Da mesma forma, o medo aparece quando um cachorro agressivo está na sala ao lado (um medo perigoso) ou quando alguém narra uma história de fantasmas, espíritos caídos, almas penadas ou aparições (um medo mais estranho do que ameaçador). Tememos a inflação, o frio, o calor excessivo, o chefe, o escuro, o elevador, e assim segue uma lista quase interminável.
Os gregos personificaram o medo na figura do deus Fobos (Phobos, em grego), origem da palavra “fobia”. Filho de Ares, deus da guerra, e de Afrodite, deusa do amor. Fobos representava o medo, o pavor e o terror sentidos nos campos de batalha. Costumava acompanhar o pai durante as guerras, ao lado de seu irmão Deimos, símbolo do pânico.
A violência, assim como o medo, é diversa e complexa em sua definição. Pode ser estudada também por sua dimensão subjetiva, manifesta na mudança de comportamento das pessoas, e definida como “sensação de segurança”. Essa sensação, por sua vez, é medida pelo medo que as pessoas sentem ao viver em sociedade: esse campo comum, ou “mundo”, no qual seus membros se encontram.
No Estado do Ceará, percebe-se claramente a evolução do medo nas transformações do comportamento social: nas residências cercadas por altos muros, arames cortantes e cercas elétricas; no crescimento dos condomínios fechados (os chamados “guetos voluntários”, segundo o sociólogo Zygmunt Bauman); e na expansão da frota de veículos blindados, inclusive entre as viaturas policiais. Por aqui, a classe alta tem blindado até as portas de entrada de suas casas e apartamentos.
Nas comunidades dominadas por facções, onde o medo se converte em pavor (uma dimensão ainda mais profunda), a melhor definição que encontrei foi por meio da poesia do artista cearense Belchior: “Cada um guarda mais o seu segredo. Sua mão fechada, sua boca aberta, seu peito deserto, sua mão parada: Lacrada e selada e molhada de medo”.
Infelizmente, no Ceará, o riso fácil de outros tempos tem sido substituído pelo semblante preocupado e pelo andar apressado das pessoas, vítimas dessa fobia pública. Como escreveu William Shakespeare: “Só ri das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo.” E o nosso corpo social tem sido ferido diariamente.
Apesar de o medo parecer onipresente, acredito que ele não é o fim, mas o ponto de partida para a reconstrução da confiança. O mesmo instinto que nos faz erguer muros pode, se bem conduzido, nos inspirar a abrir janelas. O medo nos alerta para o perigo, mas também nos lembra da importância de caminhar juntos. O desafio do nosso tempo é transformar o medo em aprendizado, a desconfiança em solidariedade e o isolamento em reencontro. Quando a coragem nasce do amor, o medo perde sua força e o ser humano reencontra a serenidade de existir, mesmo em meio às incertezas.
Plauto de Lima é coronel RR da PM e Mestre em Planejamento de Políticas Públicas