“O que a truculência com Marina mostra sobre oposição, base e governo Lula” – Por Carlos Holanda

Carlos Holanda é jornalista, com experiência na Política. Foto: Arquivo Pessoal.

“O governo abriga diversos interesses, alguns deles contrastantes entre si, razão pela qual é perfeitamente compreensível que Aziz enfrente Marina da forma como fez sem que se sinta constrangido em relação ao governo de que é aliado”, aponta o jornalista Carlos Holanda

Confira:

A truculência de traços machistas com a qual a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Climáticas) foi tratada por senadores em audiência na Comissão de Infraestrutura na terça-feira, 27, é uma antecipação do que o Senado Federal pode vir a se tornar caso a estratégia eleitoral bolsonarista para a Casa tenha sucesso. Foram às favas com a noção de decoro parlamentar três senadores, um deles governista: Marcos Rogério (PL-RO), Plínio Valério (PSDB-AM) e Omar Aziz (PSD-AM), este da base de Lula.

A disputa por 54 das 81 cadeiras daquela Casa é tida como prioritária para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível. Formar maioria no Senado significará fortalecer a posição antagônica ao Supremo Tribunal Federal (STF), com a real possibilidade de votação de pedidos de impeachment de ministros, a começar por Alexandre de Moraes.

Outro aspecto que torna o Senado crucial aos olhos de Bolsonaro é a chance de fazer avançar por ali propostas de anistia aos envolvidos em ataques golpistas ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023 na sede dos Três Poderes. O PL, legenda do senador Marcos Rogério (RO) — presidente da Comissão que disse para Marina se colocar no lugar dela — tem 14 senadores, dos quais oito com mandato até 2031.

A tendência de Ciro Gomes (PDT) em enxergar o Ceará como uma ilha deslocada do mundo não anula o fato de que, ao apoiar o deputado estadual Alcides Fernandes (PL-CE) para o Senado Federal, o ex-ministro empresta nome e biografia a uma articulação ultraconservadora de dimensão nacional.

A pauta ambiental é vista com olhares atravessados por setores abrigados no governo Lula. Também. O senador governista Omar Aziz protagonizou a discussão mais intensa com Marina. Aos ministros Rui Costa (Casa Civil), Renan Filho (Transportes) e Alexandre Silveira (Minas Energia) não são interessantes os entraves burocráticos representados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. A autarquia federal é vinculada ao ministério de Marina.

O ministério de Rui Costa coordena o novo PAC, programa de governo de forte impacto na construção civil, com repercussões eleitorais. Silveira é entusiasta da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, tema que lhe antagoniza com a ministra. Renan, o filho de Calheiros, defende o asfaltamento da BR-319, que conecta Porto Velho a Manaus. O asfaltamento da BR-319 foi o tema da discussão entre Aziz e a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.

Aqui começa-se a entender não somente o tom elevado de Aziz, mas o silêncio de algumas vozes referenciais como a de Jaques Wagner (PT), líder do governo no Senado e do grupo político de Rui Costa. No plenário, após a confusão, Wagner qualificou o momento como “isolado”, fruto do “calor do momento”. As defesas mais incisivas foram realizadas por Rogério Carvalho (PT-SE) e Eliziane Gama (PSD-MA). Ambos apontaram machismo em Marcos Rogério.

É sintomático de quem se sente resguardado politicamente que Omar Aziz tenha se sentido autorizado e confortável para confrontar Marina nos moldes como o fez. Nenhum dos três ministros citados neste texto emitiram nota sobre o episódio vivenciado pela colega.

O governo abriga diversos interesses, alguns deles contrastantes entre si, razão pela qual é perfeitamente compreensível que Aziz enfrente Marina da forma como fez sem que se sinta constrangido em relação ao governo de que é aliado. Administrar contradições é tarefa própria da política.

À articulação política de Lula, comandada pela ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), cabe um chamamento à civilidade. O dissenso no governo se repetirá outras vezes, mas pode se manifestar de modo civilizado.

Carlos Holanda é jornalista, esteve na redação do O POVO de 2017 a 2024, foi repórter especial de Política e assinou coluna sobre a desinformação e suas repercussões no debate público

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