Com o título “O que é um estádio de futebol?”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel da reserva da PM do Ceará e mestre em Políticas Públicas. Ele faz uma abordagem da exclusão criada em meio ao futebol.
Confira:
Sempre gostei de assistir partida de futebol no estádio. Ainda pequeno, meu pai me levava para o Romeirão, em Juazeiro do Norte. Mas, após o Brasil sediar a Copa do Mundo de 2014, esses antigos equipamentos esportivos estão sendo substituídos pelas modernas Arenas. Todavia, apesar do conforto ofertado nas Arenas, os estádios tinham peculiaridades que tornavam o esporte mais popular.
Somente nos estádios você encontrava a “hora do pobre”. Geralmente, quando faltavam dez minutos para terminar a partida, as catracas de entrada eram liberadas para as pessoas ingressarem na “geral” e assistirem o restante do jogo. Aliás, a “geral” não faz mais parte da arquitetura das modernas Arenas.
Quem ficava na “geral” era chamado de “geraldino”. O preço do ingresso, para esse espaço, tinha o menor valor. Esses torcedores não tinham como sentar e, em pé, próximo a uma mureta com uma grade de, aproximadamente um metro e meio, utilizada para conter a invasão do campo, eles se esticavam ao máximo para ver o jogo. A grande vantagem era a proximidade com os jogadores, principalmente com o goleiro, que ouvia de tudo. Em dias de lotação, os “geraldinos” se acotovelavam para ver algum lance da partida. O conforto passava longe, mas quando acontecia um gol não tinha local de maior vibração.
Uma outra lembrança muito vívida na minha memória é a do vendedor de laranjas. Ele estacionava um carrinho entre o alambrado e a arquibancada, e utilizando um método próprio de descascar a fruta, retirava toda casca em forma de espiral, e em seguida fazia um corte na parte superior, deixando a laranja no formato de uma pequena bola. Eu espremia a laranja, agora sem casca, e o suco descia como se estivesse saindo de um copo. Após o seu consumo, restava só o bagaço da laranja. Esse bagaço se tornava um objeto para arremessar dentro do campo todas as vezes que tínhamos alguma chateação no jogo. Comumente, o alvo era o árbitro ou um jogador adversário. Lançavam também chinelo, pilha, rádio e até dentaduras eram encontradas no campo. Atualmente (e acertadamente), o torcedor que for flagrado lançando algo no campo responderá criminalmente e o seu time sofrerá punições.
Existia nos estádios, também o fosso, que separava a torcida do campo e cumpria a função primordial de evitar a sua invasão. Quando a bola caia no fosso era um problema, pois só podia ser retirada com uma vara, que tinha uma cesta na sua extremidade, e isso demorava um certo tempo. Os jogadores mais experientes chutavam a bola em direção ao fosso para atrasar o reinício da partida. Essa estratégia era chamada de “fazer cera”. Aliás, “fazer cera”, chutando a bola para longe, é outra coisa que só acontecia nos velhos estádios.
Os repórteres de campo possuíam um destaque especial no espetáculo. Para fazer as suas entrevistas, tinham que correr de um lado para o outro, sempre acompanhados dos puxadores de fios. Algumas vezes, ocorriam tropeções de repórteres nos quilômetros de fios espalhados ao redor do campo. Quando desejosos de serem os primeiros a ouvir o jogador “destaque da partida” saiam em disparada pelo estádio. Óbvio que a queda do repórter era seguida por uma sonora vaia dos torcedores.
Não posso deixar de citar o tradicionalíssimo “cai duro”, que era um sanduíche feito de uma carne que, ainda hoje, não sabemos a procedência, mas era deliciosa. E por fim, o pessoal do “tufo-bolo”, formado por um grupo de torcedores apostadores que sentavam sempre no mesmo local do estádio. Lá, eles apostavam quem faria o primeiro gol, o placar da partida, o público, o vencedor, dentre outras invenções, que surgiam no decorrer da disputa.
Hoje, apesar dos inúmeros avanços, as Arenas ficaram protocolares. Tem protocolo para a entrada dos jogadores, saída dos torcedores, posicionamento dos repórteres, cânticos da torcida, locais para venda de lanche e as apostas estão proibidas… com exceção dos Bets, que se apropriaram do futebol e levaram consigo a dignidade do torcedor e a alma do clube, que está se tornando um negócio anônimo.
*Plauto de Lima
Coronel da PMCE e Mestre em Planejamento de Políticas Públicas.