“O que falta aos superprédios”

Jayme Leitão é arquiteto e construtor. Foto: Arquvo Pessoal.

“A liberação de altura respeitaria os cones aéreos da aviação e demandaria a utilização de terrenos bem maiores, mas a população da quadra seria a mesma, sem o aumento do seu adensamento”, aponta o arquiteto Jayme Leitão

Confira:

Recentemente a imprensa começou a utilizar o termo “superprédios” em relação aos novos empreendimentos imobiliários que recorreram ao instituto da Outorga Onerosa – um instrumento que possibilita a flexibilização de índices da legislação urbana através do pagamento de valores em moeda corrente ao FUNDURB – Fundo de Desenvolvimento Urbano do Município de Fortaleza. Como se vê, trata-se de uma legislação que exige extremo critério em sua aplicação, evitando que sejam aprovadas edificações nocivas ao tecido urbano. Decorridos alguns anos da aplicação dessa legislação, já se vê que é urgente a correção de rumos ou de desvios causados pela sua aplicação – e vários desses “superprédios” são a prova concreta e eloquente desses problemas. Primeiro, pelo fato de que esses projetos utilizaram um Índice de Aproveitamento (IA) elevadíssimo em relação ao índice da zona. Esclarecendo: o Índice de Aproveitamento é o mais importante regulador do adensamento urbano, por definir a relação entre a área do terreno e o volume máximo de construção que pode ser edificado sobre ele. Como esses projetos utilizaram um índice alto demais, o volume de construção foi por consequência muito grande, e o resultado é que os carros previstos para o estacionamento já não cabiam nos subsolos, gerando os medonhos paredões de estacionamento. O resultado é que a cidade se prejudicou e foram beneficiados exclusivamente os donos desses terrenos (geralmente na Beira Mar), inflando de forma artificial e desproporcional o seu valor.

Dessa forma, a primeira correção necessária é definir um limite para o elastecimento do Índice de Aproveitamento, de modo a que todo o volume de estacionamento necessário caiba em 2, 3 ou mesmo 4 subsolos, liberando o pavimento térreo para jardins, árvores, recuos, lojas, áreas de convivência e serviços, fazendo a caminhada do pedestre uma experiência agradável e segura. Em suma: exatamente o oposto de um paredão! Como arquiteto que desenvolve projetos de edificações verticais há cerca de 45 anos, digo que esse índice não deve ultrapassar o número de 5 ou no máximo 6 vezes em relação ao tamanho do terreno. Notem que temos “superprédios” utilizando índice 9 ou 10 – a irreverência popular já os apelidou como “peru num pires”, o que bem resume o resultado.

Outra correção é a de liberar a altura dos prédios (ou gabarito, para usar o termo técnico), desde que respeitado o IA da zona e a adoção dos recuos progressivos. Assim, em vez de 10 ou 12 prédios mais baixos ocupando uma quadra de forma intensiva, sem recuos para a ventilação, poderíamos ter apenas 2 ou 3, ocupando um percentual muito menor da quadra, gerando grandes corredores para a brisa e unidades muito melhor orientadas do ponto de vista climático, com moradias muito mais sustentáveis do ponto de vista energético e de conforto ambiental. Naturalmente, essa liberação de altura respeitaria os cones aéreos da aviação e demandaria a utilização de terrenos bem maiores, mas a população da quadra seria a mesma, sem o aumento do seu adensamento.

Finalmente, a aprovação desses projetos deve levar em conta a relação desses empreendimentos com a rua, com os passeios e com a vizinhança. Essa relação deve ser a mais aberta possível, sem muros, com o plantio de árvores, com a colocação de lojas e serviços voltados para o público, transformando a caminhada num momento de fruição do espaço urbano – jamais de isolamento ou abandono. Respeitados esses parâmetros, aí sim, poderemos começar a falar de superprédios sem aspas e sem ironia, por promoverem e valorizarem o espaço urbano de Fortaleza!

Jayme Leitão é arquiteto

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Respostas de 5

  1. Uma análise inteligente, com um olhar para a cidade.
    Onde está o nosso projeto urbano, a cidade para todos?

  2. Infelizmente o que estamos vendo são enormes paredões para abrigar garagens com exíguas faixas de jardim, tornando a nossa cidade feia é insegura. Verdadeira aberração de uma legislação forcada e inadequada !!!

  3. Belo artigo
    E quando parte de quem projeta e constrói não deixa dúvida da credibilidade da palavra.

  4. Fortaleza gosta de vento, então é bom grandes espaçamentos entre os prédios.
    Fortaleza gosta de sombra, então é bom prédios altos.

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