“O Rio de Janeiro continua feio” – Por Carlos Gildemar Pontes

Carlos Gildemar Pontes é escritor. Foto: Reprodução

Com om título “O Rio de Janeiro continua feio”, eis artigo de Carlos Gildemar Pontes, escritor, professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), doutor e mestre em Letras pela UERN, graduado em Letras pela UFC, membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (ACAL). “Eu adoro o Rio de Janeiro. O Rio dos cariocas Chico Buarque e Vinícius de Moraes, do gaúcho Brizola, da portuguesa Carmen Miranda, do pernambucano Chacrinha, do cearense Chico Anísio, do mineiro Drummond, desse Rio que o baiano Gilberto Gil disse que continua lindo, menos o do sr. Cláudio Castro, que continua feio”,expõe o articulista.

Confira:

Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil… Foi assim que eu conheci o Rio de Janeiro. Meu pai havia morado lá e falava que era uma cidade linda, um povo alegre e uma natureza que caprichou na exuberância. Eu olhava à distância, pelas fotos de revistas e pela TV. Assistia a documentários, revisava a história e, tudo que eu aprendia de história, ocupava o ápice do glamour no Rio de Janeiro.

Foi aos trinta anos que lancei meu quarto livro no Rio, durante a Bienal Internacional do livro de 1991.Fiquei em Ipanema (sem passar fome na cidade maravilhosa) no apartamento do amigo e mentor de muitos debates acalorados sobre literatura, o escritor e professor Pedro Lyra. Ele estava gestando as últimas páginas do seu livro Sincretismo: a poesia da geração 60. E me abrigou gentilmente, mas foi logo dizendo “se vira do jeito que der, só vou te dar atenção quando terminar o livro”. Para mim, tudo bem. Eu sei o que é colocar o tormentoso ponto final em um livro. E saía pelas manhãs atrás dos fantasmas de Drummond, Vinícius de Moraes, Machado de Assis. Topei com Brizola, por acaso e não contei pipoca, me apresentei e lhe convidei para o lançamento do livro, que seria três dias depois desse acaso, no Rio Centro. Ele,muito atencioso, pediu ao secretário que anotasse na agenda e me deu um forte abraço. Senti que estava diante de um grande homem, estadista de fibra e corajoso defensor do Brasil real, aquele que colocou para estudar nos Cieps e deu dignidade a milhões de estudantes cariocas. Que Rio de Janeiro lindo, esse do Brizola!

Mas o tempo passou e eu voltei ao Rio várias vezes, sempre em eventos literários. Estive esse ano na Bienal Internacional do Livro, novamente no Rio Centro. E pude constatar que foi maior do que a Bienal de São Paulo, que não se enciúmem os paulistanos. Fiquei em Curicica, na casa do amigo de infância M. e da nova amiga C. Estranhei, a princípio, as portas dormirem destravadas, não havia chaves nas portas do apartamento aconchegante onde dormi, no quintal da casa maior, que também não tinha chaves. A bicicleta no jardim era espiada da rua e até já murchara os pneus, mas continuava sóbria sem ser molestada por algum gatuno desavisado.

Tive que perguntar a eles por que tanta calma, diante de um Rio amedrontador que a TV não cessa de mostrar. Eles disseram que ali era território da milícia. Mesmo assim, eu mantive meus medos e cuidados. Resolvi dar um dia de folga na Bienal e fui passear. Tive a péssima ideia de ir de ônibus de Curicica para o centro do Rio. Que lentidão do ônibus, que Rio era aquele, feio, sujo, com paisagens ocupadas por favelas e gente pelas ruas. Um Rio paralelo, fora dos gabinetes regados a uísque importado e tapinhas nas costas. Fora do perfume francês e da Ferrari roncando em Copacabana. Era impossível não associar esse novo Rio ao governo que está ocupando o Palácio da Guanabara. Aliás, por ter abrigado estadistas importantes, a sede do governo do Rio está entregue ao senhor Cláudio Castro, um miliciano de pouca verve intelectual e um pendor impressionante para o crime organizado. As fotos com criminosos e milicianos condenados ou presos revelam o velho ditado, diz-me com quem andas e eu te direi quem és. Mais ou menos assim. Agora, o governo do sr. Castro comandou uma ação contra o “crime organizado” (seriam adversários, desafetos?) que culminou até o momento com mais de 120 mortos, segundo dados do G1. Em sua maior parte, pretos e pobres, muitos inocentes. Mortos com tiros na cabeça e/ou esfaqueados, alguns decapitados. Corpos estirados na rua, como troféus de açougue humano. Dentre os mortos, alguns policiais no cumprimento do dever. Mas onde anda o dever do gestor Castro? Como combater o crime sem a velha tática de estudo e campana policial que mapeia, grampeia e acompanha os passos de uma operação até o resultado final, com um mínimo ou nenhum dano colateral que possa causar transtornos à sociedade? Simplesmente não houve. A ação desastrosa do governo do senhor Castro expôs um Rio de Janeiro feio, continuamente feio em seu governo. Indigno dos cariocas.

Um admirável carioca, professor da Unicamp, Sidney Chalhoub, num encontro maravilhoso que tive com ele em Campinas, me disse que nós, cearenses, temos muitas semelhanças com os cariocas, somos um povo alegre. E eu estou triste pelos meus amigos do Rio que estão em luto.

Eu adoro o Rio de Janeiro. O Rio dos cariocas Chico Buarque e Vinícius de Moraes, do gaúcho Brizola, da portuguesa Carmen Miranda, do pernambucano Chacrinha, do cearense Chico Anísio, do mineiro Drummond, desse Rio que o baiano Gilberto Gil disse que continua lindo, menos o do sr. Cláudio Castro, que continua feio.

*Carlos Gildemar Pontes

Escritor, professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), doutor e mestre em Letras pela UERN, graduado em Letras pela UFC, membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (ACAL). Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Contato: gilpoeta@yahoo.it

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