Com o título “O semáforo e seus sinais”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel da reserva da PM-CE e mestre em Planejamento de Políticas Públicas. No texto, ele expõe os sinais do cotidiano e da rotina de Fortaleza.
Confira:
Estava dirigindo meu carro pela Avenida Rogaciano Leite quando me chamou a atenção um outdoor que anunciava uma grande festa na cidade. A criatividade dos promotores do evento foi brilhante. Eles usaram as cores de um semáforo para identificar se uma pessoa estaria comprometida (vermelho), “enrolada” (amarelo) ou livre (verde). Continuei meu percurso e resolvi observar outros sinais que os semáforos de Fortaleza podem transmitir aos seus moradores.
Um pouco mais à frente, parei no cruzamento da Avenida Engenheiro Santana Júnior com a Aveida Santos Dumont e vi uma mãe com seu filho no colo pedindo um pouco de comida; era o sinal da desigualdade social. Não muito distante dali, um indivíduo de cadeira de rodas, com seus membros inferiores amputados, pedia ajuda, seguido por outro que retirou da cabeça um boné que escondia parte do crânio quebrado. No mesmo instante, ouvi uma voz que vinha do chão; inclinei a cabeça para fora do carro e vi uma pessoa se arrastando no asfalto quente pedindo um “trocadinho”. Então percebi que estava diante do sinal dos mutilados.
Decidi sintonizar uma emissora no rádio do veículo. Logo, ouvi um político discursando. Pela arrogância no tom de voz, parecia um desses políticos medíocres que se tornaram governantes do nosso Estado, proferindo frases de efeito. Ele ressaltava, com efusiva satisfação, que o Ceará havia reduzido a população que vive na linha da pobreza – definida como aquela com renda familiar per capita inferior a R$ 447,90 mensais. Agora, afirmava, “apenas” 48,7% da população se encontrava abaixo dessa vergonhosa linha. Sua retórica estava quase me convencendo de que essa era uma notícia para me alegrar. Estava diante do sinal do engano.
Esse discurso manipulador contrastava com a dura realidade que vi pelas ruas, onde a desigualdade social e a miséria se impunham como símbolos de uma crise que ainda persistia, mesmo com os números apresentados como vitórias. Era um lembrete de que as estatísticas, muitas vezes, não retratam o sofrimento cotidiano das pessoas, mas servem para embalar narrativas que visam legitimar gestões e políticas falhas. Em meio a promessas e números ilusórios, o verdadeiro sinal de alerta permanecia oculto para aqueles que não queriam ver.
Segui viagem e, não demorou muito, parei em outro semáforo. Nesse, vi jovens correrem em direção ao meu carro. Levantei o vidro rapidamente. Eles jogaram água no vidro e limparam. Pediram qualquer coisa; era o sinal do abandono. Segundo dados do IBGE, de 2023, o Ceará está entre os estados brasileiros com os maiores percentuais de jovens de 15 a 24 anos fora da força de trabalho, educação ou treinamento. Percebi alguns muito magros, poderia até pensar que estavam desnutridos, contudo, eram vítimas das drogas, era o sinal da dependência. Fiquei com medo, a luz vermelha acendeu na minha mente, pisei forte no acelerador e avancei o semáforo. Uma luz piscou, era o fotossensor: sinal de arrecadação. Afinal, quem pagará essa conta?
*Plauto de Lima
Coronel RR da PMCe e Mestre em Planejamento de Políticas Públicas.